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ATO CONJUNTO Nº 001/2021

Dispõe sobre a Implementação da Lei nº 13.431/2017, regulamentada pelo Decreto Federal nº 9.603/2018, no âmbito do Sistema Estadual de Justiça composto pelo Poder Judiciário, Ministério Público, Defensoria Pública,  Governo do Estado de Mato Grosso, através da Secretaria de Estado de Segurança Pública e dá outras providências.

CONSIDERANDO que a Convenção Internacional dos Direitos das Crianças, em seu artigo 12, assegura à criança e ao adolescente o direito de serem ouvidos em todo processo judicial ou administrativo que possa afetar seu interesse;

CONSIDERANDO que o artigo 227 da Constituição Federal dispõe que é dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão;

CONSIDERANDO que o Princípio da Participação garante às crianças e aos adolescentes o direito de serem ouvidos e expressarem seus pontos de vista, opiniões e crenças em assuntos que afetam a sua vida, assegurando-lhes tal oportunidade em qualquer processo judicial ou nos procedimentos administrativos a eles atinentes;

CONSIDERANDO que por meio do Princípio da Dignidade e Acesso à Justiça às crianças e aos adolescentes também é assegurado o primado do direito, com a observância do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa nos processos judiciais em que figurem como parte, incluindo o direito de aconselhamento jurídico;

CONSIDERANDO que o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei Federal nº 8.069/90), no artigo 100, parágrafo único, incisos XI e XII, assegura à criança e ao adolescente direito à informação e à oitiva obrigatória e participação nos atos e na definição das medidas de promoção de direito e de proteção, sendo sua opinião devidamente considerada pela autoridade judiciária competente;

CONSIDERANDO que a Lei 13.431, de 04 de abril de 2017, torna obrigatória a oitiva de crianças e adolescentes pelas técnicas de Escuta Especializada e Depoimento Especial;

CONSIDERANDO a importância da escuta especializada, perícia e do depoimento especial, com a oitiva de crianças e adolescentes vítimas ou testemunhas de violência, em local apropriado e acolhedor, cumprindo os protocolos adequados e por profissionais qualificados;

CONSIDERANDO que o Depoimento Especial tem por finalidade promover a proteção integral às crianças e adolescentes, no ato de suas inquirições sobre a situação de violência, em processo judicial, precipuamente no sentido de evitar a revitimização dos depoentes, e, consequentemente, a necessidade de produção antecipada de provas consideradas como urgentes e relevantes, observada a necessidade, adequação e proporcionalidade da medida, como previsto no inciso I, do Art. 156, do Código de Processo Penal, no art. 11, da Lei nº 13.431/2017, e art. 22 do Decreto Federal nº 9.603/2018;

CONSIDERANDO a necessidade de regulamentar, no âmbito do Sistema Estadual de Justiça representado pelo Poder Judiciário, Ministério Público, Defensoria Pública e Secretaria de Estado de Segurança Pública de Mato Grosso, o sistema de garantias de direitos da criança e do adolescente vítima ou testemunha de violência, com a implementação da Lei nº 13.431/2017, regulamentada pelo Decreto Federal nº 9.603/2018; e

CONSIDERANDO a importância de estabelecer uma articulação interinstitucional para uma efetiva proteção aos direitos das crianças e dos adolescentes;

R E S O L V E M:

Art. 1º Estabelecer o presente ATO CONJUNTO nº 001/2021, em observância aos dispositivos da Lei nº 13.431/2017, regulamentada pelo Decreto Federal nº 9.603/2018;

Art. 2º Implementar o PROTOCOLO INTEGRADO DE ATENDIMENTO A CRIANÇAS E ADOLESCENTES VÍTIMAS OU TESTEMUNHAS DE VIOLÊNCIA CONFORME A LEI Nº 13.431/2017 (Anexo I), bem como seu FLUXOGRAMA (Anexo II), no âmbito dos procedimentos e condutas das Comarcas do Estado de Mato Grosso.

Art. 3º O PROTOCOLO INTEGRADO DE ATENDIMENTO A CRIANÇAS E ADOLESCENTES VÍTIMAS OU TESTEMUNHAS DE VIOLÊNCIA CONFORME A LEI Nº 13.431/2017 poderá ser validado pelas partes signatárias que compõem o Ato Conjunto e demais instituições que compõem o Sistema de Garantia de Direitos no Estado de Mato Grosso.

(Original assinado)

MAURO MENDES FERREIRA

GOVERNADOR DO ESTADO DE MATO GROSSO

(Original assinado)

FRANCISCO DE ASSIS DA SILVA LOPES

PROCURADOR-GERAL DO ESTADO

(Original assinado)

ALEXANDRE BUSTAMANTE DOS SANTOS

SECRETÁRIO DE ESTADO DE SEGURANÇA PÚBLICA

(Original assinado)

DESEMBARGADORA MARIA HELENA GARGAGLIONE PÓVOAS

PRESIDENTE DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

(Original assinado)

JOSÉ ANTÔNIO BORGES PEREIRA

PROCURADOR-GERAL DE JUSTIÇA

(Original assinado)

CLODOALDO APARECIDO GONÇALVES DE QUEIROZ

DEFENSOR-PÚBLICO GERAL

Anexo I

PROTOCOLO INTEGRADO DE ATENDIMENTO A CRIANÇAS E ADOLESCENTES VÍTIMAS OU TESTEMUNHAS DE VIOLÊNCIA CONFORME A LEI Nº 13.431/2017

Cláusula Primeira - Objetivos e definições

1.1. O presente protocolo integrado de atendimento a crianças e adolescentes vítimas ou testemunhas de violência, tem o objetivo de implementar a Lei nº 13.431/2017, regulamentada pelo Decreto Federal nº 9.603/2018, de modo a evitar a revitimização na realização de entrevistas múltiplas pelos mesmos fatos, bem como garantir a observância de cautelas e parâmetros voltados à proteção desses, antes e durante o atendimento pela rede de proteção e a coleta da prova para persecução penal.

1.2. Para efeitos deste protocolo, compreende-se:

a) Revelação espontânea: escuta da criança ou adolescente com atenção, sem qualquer intervenção do interlocutor, com posterior registro do relato (devendo ser efetuadas as notificações previstas no art. 13, caput, da Lei nº 13.431/2017);

b) Escuta especializada: procedimento de entrevista sobre situação de violência com criança ou adolescente perante órgão da rede de proteção, limitado o relato ao estritamente necessário para o cumprimento de sua finalidade (art. 7º da Lei nº 13.431/2017 e art. 19 do Decreto nº 9.603/2018);

c) Depoimento Especial: procedimento de oitiva de criança ou adolescente vítima ou testemunha de violência perante autoridade policial ou judiciária (art. 8º da Lei nº 13.431/2017 e art. 22 do Decreto nº 9.603/2018);

d) Perícias judiciais: procedimento de assistência ao juiz quando a prova do fato depender de conhecimento técnico ou científico próprios de determinadas áreas do saber, previstas nos Códigos Processuais Civil e Penal.

§1º Todos os procedimentos deverão ser realizados em local apropriado e acolhedor, com infraestrutura e espaço físico que garantam a privacidade de crianças e adolescentes vítimas ou testemunhas de violência (art. 10 da Lei nº 13.431/2017 e art. 23, parágrafo único, do Decreto nº 9.603/2018);

§2º. A revelação espontânea ocorrerá em qualquer local, na família, entre amigos, na escola, durante um atendimento de saúde, geralmente no ambiente onde a criança ou o adolescente se sinta seguro para relatar a violação de direito;

§3º A escuta especializada deve ser realizada pela rede de proteção, de modo que o relato da criança ou adolescente seja colhido por pessoas capacitadas, especialmente por meio de programas, serviços ou equipamentos que proporcionem atenção e atendimento integral e interinstitucional às vítimas ou testemunhas de violência, compostos por equipes multidisciplinares especializadas;

§4º O depoimento especial de crianças ou adolescentes vítimas ou testemunhas de violência será realizado perante a autoridade policial ou judiciária.

Será realizado pela autoridade judiciária quando houver autoria e materialidade, sem necessidade de depoimento policial da vítima para a descrição do fato criminoso, hipótese em que a autoridade policial remeterá ao Ministério Público representação para propositura de ação cautelar de antecipação de prova, nos casos dos arts.11,§1º e 21, ambos da Lei 13.431/17.

O depoimento especial será realizado pela autoridade policial nas hipóteses de flagrante, crimes cibernéticos, ausência de autoria, autor foragido, impossibilidade de realização da audiência para produção antecipada de prova em prazo de até 30 (trinta) dias, quando houver a necessidade de oitiva imediata da vítima em razão da extrema gravidade do delito, ou outra situação fundamentada que impossibilite a produção antecipada de prova com expressa justificativa da autoridade policial;

§5º Durante o depoimento especial, seja perante a autoridade policial ou judiciária, a criança e o adolescente terão o direito de receber assistência jurídica, que facilite a sua participação e os resguarde contra comportamento inadequado adotado pelos demais órgãos atuantes no processo (art.5º,VII, Lei 13.431/17);

§6º A escuta especializada poderá continuar a ser realizada na Delegacia de Polícia, onde não for possível o depoimento especial, observado o disposto no parágrafo quarto.

Cláusula Segunda - Revelação espontânea da violência a órgão da rede de atendimento e providências a serem adotadas

2.1. O profissional que for inicialmente procurado pela criança ou adolescente para a revelação espontânea deve acolher e ouvir o relato, considerando que foi o escolhido pela vítima, certamente por despertar nela sensação de segurança e confiança, hipótese em que não deve recusar a escuta, sob pena de gerar sentimentos negativos de descrédito, medo, culpa ou vergonha, que podem levar a vítima a recuar e não mais revelar a violência a que se vê submetida. Este profissional deve primar pelo relato livre, sem perguntas fechadas ou sugestivas, evitando demonstrar reações emocionais que impressionem, sugestionem ou constranjam a criança ou adolescente.

2.2. Após a revelação espontânea, nenhum outro profissional deverá abordar a vítima senão mediante os procedimentos previstos neste protocolo, sendo que o acionamento da rede de proteção e das autoridades policiais e judiciais deverá ser promovido pela própria instituição onde tenha ocorrido a revelação, mediante reprodução do relato da vítima pelo profissional que o obteve, sem submetê-la a repetição informal do relato.

Parágrafo único. A rede de proteção, ao tomar conhecimento da notificação, para fins de atendimento social e de saúde, fará o acolhimento e elaboração do plano de atendimento, usando os instrumentos que entender necessários.

2.3. A instituição a que está vinculado o profissional que recebeu o relato espontâneo deve comunicar o fato imediatamente ao Conselho Tutelar ou à autoridade policial, os quais, por sua vez, cientificarão imediatamente o Ministério Público e a Defensoria Pública.

§ 1º. O Conselho Tutelar verificará se é o caso de aplicação de alguma das medidas específicas de proteção no seu âmbito de atuação, previstas no Estatuto da Criança e do Adolescente;

§ 2º. Poderão ser aplicadas as medidas protetivas para a criança e o adolescente vítima ou testemunha de violência contra o autor da violência, inclusive as previstas na Lei nº 11.340, de 7 de agosto de 2006 (Lei Maria da Penha), além da Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente), sempre que verificada a necessidade, a requerimento da própria vítima, por meio de seu representante legal, pelo Ministério Público ou por outra autoridade competente, sem prejuízo das medidas cautelares previstas no Código de Processo Penal;

§3º. A Defensoria Pública prestará a assistência jurídica, orientando e auxiliando às vítimas no acesso aos seus direitos, por meio de sugestões de medidas protetivas às autoridades competentes, direcionamentos para a rede de atendimento e em especial no acompanhamento dessas durante o depoimento especial e demais etapas do processo até resolução do caso.

2.4 Em casos de revelação de violência praticada contra criança ou adolescente em acolhimento institucional, nos termos do artigo 18-A do ECA, deverão ser adotados os mesmos procedimentos elencados nos itens anteriores.

Cláusula Terceira - Da escuta especializada

3.1. Todo Município empreenderá esforços para dispor de um número suficiente de profissionais de referência de cada política setorial (saúde, educação, assistência social, segurança pública) com qualificação específica para realização da escuta especializada, observado o disposto no Art.12 § 2º e § 3º do Decreto nº 9.603/2018.

3.2. A escuta especializada visa assegurar o acompanhamento da vítima em suas demandas, na perspectiva de superação das consequências da violação sofrida, inclusive no âmbito familiar. O foco deve ser voltado para o provimento de cuidado e atenção que a criança ou adolescente vitimizado necessita.

3.3. Os fatos narrados durante a escuta especializada da vítima e de seus responsáveis legais poderão ser compartilhados, através de relatórios com os demais serviços ou órgãos que fazem parte do fluxo de atendimento da criança ou adolescente, observando-se para isso o caráter confidencial das informações.

Cláusula Quarta - Depoimento especial e avaliação do procedimento judicial a ser adotado

4.1. O profissional especializado, quando intimado para acompanhamento do procedimento de escuta da vítima ou testemunha no processo judicial, seja regular ou em ação de produção antecipada de prova, auxiliará na indicação sobre qual procedimento previsto na cláusula quinta será adotado, considerando, entre outros elementos:

I - a predisposição da vítima ou testemunha se manifestar sobre os fatos imputados;

II - as condições para manifestação e o grau de compreensão da vítima ou testemunha;

III - a adequação a um dos procedimentos da cláusula quinta;

IV - a existência de relatórios de avaliação ou laudos periciais já realizados na fase inquisitorial ou perante outros juízos, principalmente pelas Varas de Família e Infância e Juventude, juntando-os ao processo.

4.2. Se concluir pela inadequação de quaisquer dos procedimentos a seguir elencados, apresentará parecer justificando seu posicionamento de não-intervenção, relacionando a ocorrência ou não de indicadores de sequelas ou sintomas da violência sofrida ou presenciada durante a(s) entrevista(s) preliminar(es), ou poderá propor a adoção de procedimento não previsto neste protocolo, caso julgue necessário para prevenir revitimização ou violação dos direitos fundamentais da vítima ou testemunha.

4.3. Em caso de nomeação de profissional técnico pelo juízo para realização de depoimento especial ou perícia técnica, esta não poderá recair sobre servidor da rede municipal que faça o atendimento continuado vinculado às políticas setoriais.

Cláusula Quinta - Formas de escuta para fins penais

5.1. A produção da prova judicial para fins penais deverá compatibilizar a necessidade do meio probatório no processo com a defesa dos direitos fundamentais das crianças e adolescentes vítimas ou testemunhas de violência, com observância do seu estágio de desenvolvimento, a ser aferido, quando viável, por meio de avaliação preliminar do profissional capacitado a serviço do Juízo criminal, que após o estabelecimento do rapport, terá condições de avaliar o grau de compreensão e as condições das vítimas ou testemunhas, sua concordância em ser ouvida em juízo, sem mencionar nesta fase os fatos descritos na denúncia.

Parágrafo único. Após tal avaliação, de forma fundamentada, indicará um dos seguintes procedimentos:

a) Depoimento Especial no Poder Judiciário:  observadas as regras do art. 12 da Lei nº 13.431/2017 e do art. 26, § 1º, do Decreto nº 9.603/2018, por meio de produção de prova regular ou antecipada, para oitiva da vítima ou testemunha; na sala de audiência estarão Juiz de Direito, Promotor de Justiça, Advogado ou Defensor Público, Assistente de Acusação, se houver, e o réu; sendo que em ambiente separado estarão a criança ou adolescente e o profissional especializado; assim, o depoimento será transmitido em tempo real para a sala de audiências e gravado em áudio e vídeo;

a.1) Primeiramente, o profissional conduzirá a abordagem empregando o Protocolo Brasileiro de Entrevista Forense, seguindo-se de eventuais questionamentos pelas partes e pelo magistrado, momento em que o profissional especializado poderá adaptar as perguntas realizadas pelos presentes na sala de audiência, para adequar à linguagem de melhor compreensão para a criança ou adolescente, ou, ainda, suprimir indagações que julgar inadequadas, indutoras ou prejudiciais à vítima, nos termos do item 5.2, alínea "f";

a.2)  A vítima ou testemunha será resguardada de qualquer contato com o suposto autor ou acusado, o qual poderá ser retirado da sala se houver constatação dessa necessidade, na forma estabelecida no item 5.3.

b) Perícia: a perícia será realizada, inclusive como produção antecipada de prova, seguindo-se o rito próprio das perícias judiciais. Nesse caso, a fase de entrevista da perícia poderá ser gravada em áudio e vídeo e anexada ao laudo pericial, de acordo com o entendimento do perito;

b.1) não sendo o caso de perícia psicológica a avaliação poderá ser realizada por qualquer outro profissional indicado ao caso;

b.2) caso a criança ou adolescente já tenha sido ouvida, o profissional que a atendeu será preferencialmente  diverso daquele que  vier a atuar em juízo.

5.2. Na realização do Depoimento Especial:

O profissional deverá comprovar capacitação em depoimento especial, assim reconhecida pelo Tribunal de Justiça ou pela Polícia Civil quando o depoimento especial for realizado pela autoridade policial;

a) o profissional capacitado esclarecerá à criança ou adolescente sobre a tomada do depoimento especial, informando-lhe seus direitos e os procedimentos a serem adotados e planejando sua participação, sendo vedada a leitura da denúncia ou de outras peças processuais (art. 12, inciso I, da Lei nº 13.431/2017);

b) será respeitado o direito da criança ou do adolescente de ser ouvido e expressar seus desejos e opiniões, assim como permanecer em silêncio (art. 5º, inciso VI, da Lei nº 13.431/2017 e art. 2º, inciso VI, do Decreto nº 9.603/2018);

c) é assegurada à criança ou adolescente a livre narrativa sobre a situação de violência, podendo o profissional capacitado intervir quando necessário, utilizando técnicas que permitam a elucidação dos fatos (art. 12, inciso II, da Lei nº 13.431/2017 e art. 26, inciso III, do Decreto nº 9.603/2018);

d) não se interromperá o depoente, respeitando o ritmo da criança e/ou adolescente, o tempo para falar e, principalmente, os momentos de silêncio. É preciso suportá-los de maneira a não pressionar a vítima ou testemunha em seu discurso, para que ela possa reconstruir as circunstâncias do evento mentalmente, pois tal processo demanda grande empenho cognitivo e emocional de quem está respondendo;

e) as perguntas devem ser feitas uma de cada vez, de forma clara, direta e precisa. Perguntas indutoras, sugestivas ou com conotação de valor ou apreciação moral são proibidas. As perguntas devem ser abertas pois propiciam que a resposta não seja unicamente um "sim" ou um "não", exigindo que haja aprofundamento e promovendo um maior detalhamento de informações na resposta do depoente;

f) são proibidas perguntas que impliquem em culpabilização da vítima, que sejam ofensivas, evitando-se, ainda, aquelas que causem desconforto desnecessário ao depoente e não sejam relevantes para a elucidação dos fatos imputados;

g) finalizada a livre narrativa sobre a situação de violência, com auxílio do profissional especializado, o juiz, após consultar o Ministério Público, o Defensor e os Assistentes Técnicos, avaliará a pertinência de perguntas complementares, sendo que as deferidas serão transmitidas ao profissional capacitado, que poderá adaptá-las à linguagem de melhor compreensão para a criança ou adolescente (art. 12, incisos IV e V, da Lei nº 13.431/2017 e art. 26, § 1º, incisos IV e V, do Decreto nº 9.603/2018);

5.3. Se no depoimento especial a presença do acusado na sala de audiência prejudicar o relato ou colocar o depoente em situação de risco, o profissional especializado comunicará ao Juiz, que determinará sua retirada nos moldes do art. 12, § 3º, da Lei nº 13.431/2017.

5.4. Caso o profissional capacitado conclua que a continuidade do depoimento especial possa causar significativo prejuízo psicológico à vítima ou testemunha, poderá recomendar o imediato encerramento do ato e, caso deferido pelo magistrado, avaliará a possibilidade de conversão do procedimento para perícia, remetendo suas considerações, por escrito, ao juízo.

5.5. O depoimento especial, sempre que possível, será realizado uma única vez, em sede de produção antecipada de prova judicial, garantido o contraditório e a ampla defesa do investigado, principalmente em caso de violência sexual, não se admitindo nova oitiva, salvo quando justificada a sua imprescindibilidade pela autoridade competente e houver a concordância da suposta vítima e de seu representante legal.

§ 1º Recebida a medida cautelar de antecipação de prova, deverá o magistrado designar, imediatamente, a audiência de depoimento especial, para ser realizada preferencialmente no prazo máximo de 30 (trinta) dias, devendo determinar a intimação da suposta vítima, do Ministério Público e do indiciado, no prazo máximo de 10 (dez) dias;

§ 2º Caso não seja possível a realização da audiência dentro do prazo de 30(trinta) dias, o magistrado deverá justificar fundamentadamente;

§ 3º O indiciado ficará ciente de que deverá comparecer, acompanhado de seu advogado, cuja habilitação deverá ocorrer até 10 (dez) dias antes da data designada, e que assim não o fazendo ou caso não possua condições de constituir um advogado, ser-lhe-á designado um Defensor Público, para promover sua defesa, o qual será intimado com antecedência da audiência, ou ser-lhe-á nomeado advogado dativo;

§ 4º Em se tratando de réu preso o prazo referido no § 1º será de 5 (cinco) dias, com a imediata intimação das partes.

5.6. Deferida a realização de perícia, as partes e a assistência de acusação poderão formular quesitos ao perito judicial e indicar assistentes técnicos, nos termos da legislação processual penal e civil, aplicada subsidiariamente.

Parágrafo único. Os assistentes técnicos somente poderão intervir após a apresentação do laudo pelo perito judicial, sendo vedado o acompanhamento das entrevistas com a criança ou adolescente, vítima ou testemunha.

Cláusula Sexta - Da apuração da suspeita ou prática de violência no Sistema Socioeducativo

6.1. Tratando-se de adolescente em cumprimento de medida socioeducativa, a equipe técnica do sistema socioeducativo fará relatório informativo da escuta especializada e encaminhará ao Ministério Público, a Defensoria Pública e a Vara da Infância.

6.2. O encaminhamento do relatório pelas equipes técnicas que colherem ou tiverem ciência do abuso, deve ser diretamente para os referidos órgãos, independentemente de anuência ou remessa da Direção ou Superintendência do Sistema Socioeducativo, a qual, de qualquer modo, deverá ser cientificada para adotar as medidas no âmbito administrativo.

Cláusula Sétima - Compartilhamento das informações à Rede de Proteção e a ações de outra natureza

7.1. Produzida a prova para fins penais (área que deve ser priorizada diante da maior abrangência e necessidade de observância ao contraditório e a ampla defesa), visando evitar a repetição de depoimento, perícia ou escuta especializada pelos mesmos fatos, devem ser emprestadas as provas apuradas aos demais processos judiciais, seja na área da infância e juventude, seja na área de família e demais competências de apreciação do Poder Judiciário, seja para procedimentos administrativos instaurados para apuração de falta funcional praticada por agente público; e, ainda, aos órgãos da rede de proteção, resguardado o sigilo, e limitado o empréstimo às informações estritamente necessárias para o cumprimento de sua finalidade, nos moldes do art. 5º, inciso XIV, da Lei nº 13.431/2017 e art. 9º, § 2º do Decreto nº 9.603/2018 e/ou como prova emprestada a outras ações judiciais nos moldes do art. 372 do CPC.

§ 1º No caso de solicitação da rede de proteção, deverá o profissional especializado produzir relatório diretamente ao equipamento de atendimento da vítima ou testemunha, limitado ao estritamente necessário para o cumprimento de sua finalidade;

§ 2º Deverão ser realizados estudos nos sistemas e empreendidos esforços, para que a existência de depoimento especial ou escuta especializada, passem a constar em todas as ferramentas de registros das instituições do sistema de justiça.

Cláusula Oitava- Disposições finais

8.1.  Na hipótese do art. 12, § 1º da Lei nº 13.431/2017, o depoimento se dará na forma do art. 212 do Código de Processo Penal, combinado com as disposições do item 5.1 deste protocolo, sendo observadas as garantias dispostas no art. 5º, VII, da Lei nº 13.431/2017.

O profissional poderá pedir a palavra ao magistrado e, de forma fundamentada:

I - sugerir alteração da abordagem;

II - recomendar o indeferimento da questão;

III - propor sua intervenção no questionamento à vítima ou à testemunha, a fim de esclarecer o fato indagado.

8.2. Na hipótese prevista no art. 12, § 1º, da Lei nº 13.431/2017, a criança ou o adolescente serão resguardados de qualquer contato, ainda que visual, com o suposto autor ou acusado, ou com outra pessoa que represente ameaça, coação ou constrangimento, nos moldes do art. 9º da Lei nº 13.431/2017, devendo ser determinada a retirada do acusado da sala de audiência, inclusive do espaço que antecede a sala de audiência, para evitar referido contato.

Parágrafo único. As partes e o magistrado devem evitar qualquer manifestação relativa à valoração da prova ou encaminhamento de requerimentos durante a abordagem do depoente ou na presença deste, reservando-se para pronunciamento após a conclusão da oitiva, quando a vítima deixará o ambiente da audiência.

8.3. Todos os órgãos envolvidos neste protocolo se comprometem a adotá-lo e zelar pela sua observância, consignando que o objeto aqui acordado não esgota a necessidade de medidas outras tendentes ao integral cumprimento da Lei nº 13.431/2017, principalmente no que concerne à necessidade de outras ações articuladas, coordenadas e efetivas, voltadas ao acolhimento e ao atendimento integral às vítimas de violência (Art. 14).

8.4. Os procedimentos previstos neste protocolo também se aplicam às situações de violência contra criança ou adolescente, vítima ou testemunha, em demandas afetas às varas de família, infância e juventude e procedimentos administrativos para apuração de falta funcional, no que couber.

FLUXOS DO PROTOCOLO INTEGRADO

DE ATENDIMENTO A CRIANÇAS E ADOLESCENTES

VÍTIMAS OU TESTEMUNHAS DE VIOLÊNCIA

CONFORME A LEI Nº 13.431/2017

09/2020

Sumário

Apresentação do Protocolo Integrado

A Lei nº 13.431, de 04 de abril de 2017, estabeleceu uma nova sistemática para atendimento de crianças e adolescentes vítimas ou testemunhas de violência, sob duplo aspecto: protetivo, evitando a revitimização com múltiplas entrevistas sobre os mesmos fatos; e repressivo, garantindo a persecução penal de forma rápida e efetiva dos vitimizadores.

Para a implementação deste normativo legal, torna-se necessária a realização de um trabalho intersetorial dos órgãos envolvidos, padronizando procedimentos, qualificando profissionais e otimizando sua atuação, evitando a revitimização e/ou violência institucional.

Diante desse panorama e em cumprimento ao Pacto Nacional Pela Implementação da Lei nº 13.431/2017, os representantes da Articulação Intersetorial da Infância e Adolescência de Cuiabá - Rede Protege - junto com representantes do Ministério Público, Poder Judiciário, Defensoria Pública e Segurança Pública do Estado de Mato Grosso, formaram um grupo de trabalho com o objetivo de criar um Protocolo e Fluxograma Integrado de Atendimento a Crianças e Adolescentes Vítimas ou Testemunhas de Violência.

O protocolo é composto por oito cláusulas, compreendendo objetivos e definições, revelação espontânea, escuta especializada, depoimento especial, formas de escuta para fins penais, apuração ou suspeita de prática de violência no Sistema Socioeducativo, compartilhamento de informações à Rede de Proteção e ações de outra natureza e disposições finais.

O fluxograma é composto por um Fluxo Macro do Protocolo Integrado, tendo como ponto de partida o acolhimento da revelação espontânea, seguido da atuação da Rede de Proteção, Conselho Tutelar, Autoridade Policial, Ministério Público, Defensoria Pública e Poder Judiciário.

Na sequência, o fluxograma é subdividido em 7 (sete) etapas, prevendo a atuação de cada um destes atores no atendimento de crianças e adolescentes vítimas ou testemunhas de violência.

O trabalho ora apresentado se trata de importante contribuição para a efetiva garantia constitucional de proteção integral às crianças e aos adolescentes de nosso Estado.

Objetivos do Protocolo Integrado

·     Evitar a revitimização na realização de entrevistas múltiplas pelos mesmos fatos.

·     Garantir a persecução penal.

Público alvo do Protocolo Integrado

·     Crianças e adolescentes vítimas ou testemunhas em situação de violência.

Composição dos órgãos articulados no Protocolo Integrado - Estado de Mato Grosso

·     Governo do Estado de Mato Grosso;

·     Procuradoria Geral do Estado;

·     Secretaria de Estado de Segurança Pública;

·     Poder Judiciário do Estado de Mato Grosso;

·     Corregedoria Geral de Justiça;

·     Ministério Público do Estado de Mato Grosso;

·     Corregedoria Geral do Ministério Público;

·     Defensoria Pública do Estado de Mato Grosso;

·     Corregedoria Geral da Defensoria Pública.

Equipe responsável pela elaboração técnica do Protocolo Integrado

Dra. Valnice Silva dos Santos

Promotora de Justiça titular da 14ª Promotoria da Infância e Juventude da Capital

Dra. Regilaine Magali Bernardi Crepaldi

Promotora de Justiça da 27ª Promotoria Criminal da Capital

Dra. Janine Barros Lopes

Promotora de Justiça da 6ª Promotoria Criminal de Várzea Grande

Dr. Tulio Dualibi Souza

Juiz de Direito da Comissão da Infância e Juventude do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso

Dr. Jurandir Florêncio de Castilho Júnior

Juiz de Direito da 14ª Vara Criminal da Comarca de Cuiabá

Dra. Silvia Maria Ferreira

Defensora Pública - Núcleo Criminal da Defensoria Pública

Dra. Claudineia Santos Queiroz

Defensora Pública - Núcleo da Defensoria Pública da Infância e Juventude

Dr. Francisco Kunze Júnior

Delegado de Polícia Judiciária Civil da Delegacia Especializada de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente (DEDDICA)

Dr. Cláudio Santana

Delegado de Polícia Judiciária Civil de Várzea Grande

Eliane Pereira da Silva

Analista/Assistente Social do Ministério Público

João Henrique Magri Arantes

Psicólogo da Delegacia Especializada de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente (DEDDICA)

Karolline Rodrigues de Oliveira

Analista/Assistente social da Assessoria Técnica de Assuntos Interdisciplinares da Defensoria Pública

Raquel Mendes de Oliveira

Analista/Assistente Social do Ministério Público

Silbene Santana de Oliveira

Analista/Assistente Social da Secretaria de Estado de Segurança Pública

Sirlene Guimarães Ribeiro

Analista/Psicóloga da ATAI da Defensoria Pública do Estado de Mato Grosso

Responsável pela modelagem dos fluxos

·     Procuradoria Geral de Justiça - PGJ

·     Departamento de Planejamento e Gestão - DEPLAN / Escritório de Processos Organizacionais - EPO

Metodologia utilizada na modelagem dos fluxos

Os fluxos foram modelados em observância ao padrão internacional da Notação BPMN, em inglês Business Process Model and Notation, em português significa Modelo e Notação de Processos de Negócio, mantido pela organização internacional Object Management Group (OMG).

Um guia completo sobre os elementos da Notação BPMN 2.0 pode ser consultado através do link: https://www.omg.org/spec/BPMN/2.0/PDF .

Para este Protocolo Integrado, foram utilizados os elementos abaixo listados:

Fluxo Macro do Protocolo Integrado

Etapa 1. Acolhimento da Revelação Espontânea ou Escuta Especializada

Etapa 2. Atuação da Rede de Proteção

Etapa 3. Atuação do Conselho Tutelar

Etapa 4. Atuação da Autoridade Policial

Etapa 5. Atuação do Ministério Público - Promotoria da Infância e Juventude e Promotoria Criminal

Etapa 6. Atuação da Defensoria Pública

Etapa 7. Atuação do Poder Judiciário - Vara da Infância e Juventude e Vara Criminal