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MENSAGEM Nº    52,    DE  24  DE     ABRIL     DE 2023.

Senhora Presidente da Assembleia Legislativa,

No exercício das competências contidas nos artigos 42, § 1º, e 66, IV, da Constituição do Estado, comunico a Vossa Excelência que decidi vetar integralmente o Projeto de Lei nº 476/2022, que “Dispõe sobre a validade dos bilhetes de passagens no transporte coletivo rodoviário intermunicipal de passageiros no Estado de Mato Grosso”, aprovado por esse Poder Legislativo na Sessão Plenária do dia 29 de março de 2023.

Em síntese, a proposta normativa tem por objetivo assegurar aos usuários de transporte coletivo rodoviários intermunicipal a validade de 01 (um) ano nos bilhetes de passagem adquiridos no âmbito do Estado de Mato Grosso, com direito à reembolso no valor atualizado da tarifa do trecho emitido descontada a comissão de venda ‒ a partir da data da sua emissão, ainda que estejam com data e horário marcado ‒, bem como prevê o prazo de 30 (trinta) dias para que o reembolso seja efetivado e estabelece que os bilhetes de passagens adquiridos com antecedência mínima de 07 (sete) dias da data da viagem poderão não ter horário de embarque definido.

Desse modo, verifica-se que a propositura em análise, diante do julgamento da ADI nº 4289, pretende resguardar os direitos dos consumidores do serviço de transporte coletivo rodoviário intermunicipal de passageiros do Estado de Mato Grosso, de modo a estar de acordo com a Lei Federal nº 11.975, de 07 de julho de 2009.

Ainda, o projeto em espeque apresenta disposições em convergência com a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 - CRFB/88, dispõe em seu art. 21, inciso XII, alínea “e”, que compete à União explorar, diretamente ou mediante autorização, concessão ou permissão, os serviços de transporte rodoviário interestadual e internacional de passageiros. Por sua vez, o art. 30, inciso V, da CRFB/88 prevê que compete aos municípios organizar e prestar, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, os serviços públicos de interesse local, incluindo o de transporte coletivo.

Somado a isso, a referida Carta Magna dispõe em seu art. 5º, inciso XXXII, que o Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor, bem como estabelece em seu art. 170, inciso V, que a ordem econômica tem por finalidade assegurar a todos a existência digna observando o princípio de defesa do consumidor, vejamos:

Art. 170 A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:

(...)

V - defesa do consumidor

Todavia, o projeto apresenta vício de iniciativa, com ofensa ao princípio da separação e independência dos poderes (art. 2º ‒ CRFB/88) e usurpação da competência legislativa do Chefe do Poder Executivo para iniciativa legislativa da matéria objeto da presente análise.

Isso porque é nítido que a proposição interfere diretamente nos contratos de concessão celebrados pelo Poder Executivo e, mais do que isso, afeta o equilíbrio econômico financeiro destas avenças.

A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal tem se consagrado de forma uníssona quanto a iniciativa privativa do Chefe do Poder Executivo para proposição de projetos de lei que interfiram na gestão de contratos administrativos de concessão de serviços públicos, notadamente no que diz respeito ao equilíbrio econômico-financeiro dos contratos correspondentes. Veja-se:

EMENTA: DIREITO CONSTITUCIONAL. AGRAVO INTERNO EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO. REPRESENTAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI Nº 5.127/2015. MUNICÍPIO DE VOLTA REDONDA. OBRIGATORIEDADE DE INSTALAÇÃO DE AR CONDICIONADO NOS VEÍCULOS DE TRANSPORTE COLETIVO MUNICIPAL. PROCESSO LEGISLATIVO. INICIATIVA PRIVATIVA. PODER EXECUTIVO. SERVIÇOS PÚBLICOS. 1. O Supremo Tribunal Federal firmou orientação no sentido de que compete ao Chefe do Poder Executivo a iniciativa de leis que interfiram na gestão de contratos de concessão de serviços públicos. 2. Inaplicável o art. 85, § 11, do CPC/2015, uma vez que não é cabível, na hipótese, condenação em honorários advocatícios. 3. Agravo interno a que se nega provimento, com aplicação da multa prevista no art. 1.021, § 4º, do CPC/2015.

(STF - ARE 1075713 AgR, Relator(a): ROBERTO BARROSO, Primeira Turma, julgado em 29/06/2018, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-157 DIVULG 03-08-2018 PUBLIC 06-08-2018)

EMENTA Agravo regimental no recurso extraordinário com agravo. Ação Direta de Inconstitucionalidade. Lei nº 4.166/05 do Município de Cascavel/PR. Lei de iniciativa parlamentar que concede gratuidade no transporte coletivo urbano às pessoas maiores de 60 anos. Equilíbrio econômico-financeiro dos contratos. Reserva de Administração. Separação de Poderes. Violação. Precedentes. Recurso extraordinário parcialmente provido. 1. O Supremo Tribunal Federal tem declarado a inconstitucionalidade de leis de iniciativa do poder legislativo que preveem determinado benefício tarifário no acesso a serviço público concedido, tendo em vista a interferência indevida na gestão do contrato administrativo de concessão, matéria reservada ao Poder Executivo, estando evidenciada a ofensa ao princípio da separação dos poderes. 2. Não obstante o nobre escopo da referida norma de estender aos idosos entre 60 (sessenta) e 65 (sessenta e cinco) anos, independentemente do horário, a gratuidade nos transportes coletivos urbanos esteja prevista no art. 230, § 2º, da Constituição Federal, o diploma em referência, originado de projeto de iniciativa do poder legislativo, acaba por incidir em matéria sujeita à reserva de administração, por ser atinente aos contratos administrativos celebrados com as concessionárias de serviço de transporte coletivo urbano municipal (art. 30, inciso V, da Constituição Federal). 3. Agravo regimental não provido.

(STF - ARE 929591 AgR, Relator(a): DIAS TOFFOLI, Segunda Turma, julgado em 06/10/2017, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-247 DIVULG 26-10-2017 PUBLIC 27-10-2017)

EMENTA: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI N. 7.304/02 DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO. EXCLUSÃO DAS MOTOCICLETAS DA RELAÇÃO DE VEÍCULOS SUJEITOS AO PAGAMENTO DE PEDÁGIO. CONCESSÃO DE DESCONTO, AOS ESTUDANTES, DE CINQUENTA POR CENTO SOBRE O VALOR DO PEDÁGIO. LEI DE INICIATIVA PARLAMENTAR. EQUILÍBRIO ECONÔMICO-FINANCEIRO DOS CONTRATROS CELEBRADOS PELA ADMINISTRAÇÃO. VIOLAÇÃO. PRINCÍPIO DA HARMONIA ENTRE OS PODERES. AFRONTA. 1. A lei estadual afeta o equilíbrio econômico-financeiro do contrato de concessão de obra pública, celebrado pela Administração capixaba, ao conceder descontos e isenções sem qualquer forma de compensação. 2. Afronta evidente ao princípio da harmonia entre os poderes, harmonia e não separação, na medida em que o Poder Legislativo pretende substituir o Executivo na gestão dos contratos administrativos celebrados. 3. Pedido de declaração de inconstitucionalidade julgado procedente.

(STF - ADI 2733, Relator(a): EROS GRAU, Tribunal Pleno, julgado em 26/10/2005, DJ   03-02-2006 PP-00011 EMENT VOL-02219-02 PP-00280)

Outrossim, faz-se pertinente mencionar que a Agência Estadual de Regulação dos Serviços Públicos Delegados de Mato Grosso ‒ AGER/MT, por meio da Manifestação Técnica nº 00062/2023/SREE/AGER (fls. 09/10 - autos CASACIVIL-PRO-2023/02794.01), considerando o AJUSTE SINIEF nº 01, de 07 de abril de 2017, e o ATO CONTEPE/ICMS nº 36, de 11 de julho de 2017, bem como as regulamentações dadas pelo Conselho Nacional de Política Fazendária ‒ CONFAZ, recomendou o indeferimento total do Projeto de Lei nº 476/2022

Assim, considerando os fundamentos apresentados, e que a propositura em comento implica em interferência nos contratos celebrados entre o Poder Executivo e as concessionárias de serviços públicos, cuja competência recai exclusivamente ao Chefe do Poder Executivo, especialmente quando se tratar de lei que disponha sobre organização administrativa e atribuições de Secretarias e órgãos do Poder Executivo Estadual (arts. 2º, CRFB/88), reconheço a inconstitucionalidade formal da proposta e, consequentemente, o impedimento da sanção da matéria.

Essas, Senhora Presidente, são as razões que me levaram a vetar integralmente o Projeto de Lei nº 476/2022, as quais ora submeto à apreciação dos membros dessa Casa de Leis.

Palácio Paiaguás, em Cuiabá,  24  de   abril   de 2023.

MAURO MENDES

Governador do Estado