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DECRETO Nº        785,        DE    18    DE           JANEIRO        DE 2021.

Dispõe sobre as atividades de restauração das formações campestres na planície inundável do Bioma Pantanal, no Estado de Mato Grosso, e dá outras providências.

O GOVERNADOR DO ESTADO DE MATO GROSSO, no uso das atribuições que lhe confere o artigo 66, inciso III, da Constituição Estadual, tendo em vista o que consta no Processo nº 497732/2020, e o disposto na Lei Complementar nº 327, de 22 de agosto de 2008, e

CONSIDERANDO o disposto no art. 222, § 2º, da Constituição Estadual, que prevê a compatibilização do desenvolvimento econômico e social do Estado, com a preservação, o melhoramento e a estabilidade do meio ambiente;

CONSIDERANDO a necessidade de regulamentar o disposto no art. 10 da Lei Federal nº 12.651, de 25 de maio de 2012, no que se refere as áreas de uso restrito;

CONSIDERANDO a necessidade de regulamentar o § 2º, do art. 65, da Lei Complementar nº 38, de 21 de novembro de 1995, que dispõe sobre o Código Estadual do Meio Ambiente e dá outras providências, que trata da proteção das demais áreas úmidas existentes no Estado;

CONSIDERANDO a necessidade de regulamentar o disposto no art. 11 da Lei nº 8.830, de 21 de janeiro de 2008;

CONSIDERANDO os compromissos assumidos pelo Brasil junto à Convenção de Zonas Úmidas de Importância Internacional - Convenção de Ramsar, ratificada pelo Decreto nº 1.905, de 16 de maio de 1996;

CONSIDERANDO as áreas úmidas como um importante componente da paisagem, porque liberam lentamente a água das inundações, recarregam os aquíferos subterrâneos, reciclam os nutrientes e proporcionam oportunidades e benefícios para a população e vida silvestre, providenciando uma multiplicidade de benefícios ecológicos, econômicos e sociais;

CONSIDERANDO a necessidade de minimizar impactos potenciais sobre áreas úmidas decorrentes da alteração do fluxo natural das águas que acarretam impactos ambientais e comprometem a disponibilidade e a integridade biológica da água, a biodiversidade, os serviços ecossistêmicos e a sustentabilidade ambiental;

CONSIDERANDO a Nota Técnica da EMBRAPA e suas ponderações de que nas últimas décadas, desde 1974, ocorreu maior umidade no Pantanal, o que favoreceu a ocupação de espécies arbustivas/arbóreas em alguns locais anteriormente com dominância de plantas herbáceas e que a ocupação por espécies lenhosas de áreas anteriormente campestres causam  mudanças na estrutura, riqueza e integridade desses ambientes, com influência na produtividade das espécies forrageiras nativas, funções e serviços ecossistêmicos dessas fitofisionomias; a recuperação da estrutura e integridade da vegetação anteriormente com dominância de espécies herbáceas em sua estrutura e integridade requer práticas de manejo adaptativo conforme histórico de manejo e condições ambientais e climáticas; a principal aptidão do Pantanal é a pecuária de corte em sistemas extensivos, pois a região tem condições naturais que dificultam a realização de atividades de agricultura. Portanto, o incentivo às práticas de manejo sustentável e ao uso multifuncional contribuem com a conservação do Pantanal;

CONSIDERANDO a necessidade de estabelecer medidas emergenciais de enfrentamento aos incêndios florestais;

DECRETA:

Art. 1º.  Este decreto tem por objeto regulamentar os procedimentos administrativos a serem observados para o manejo da vegetação campestre visando sua restauração e manutenção nas paisagens do Bioma Pantanal, no Estado de Mato Grosso.

Art. 2º  Para os efeitos desta norma entende-se por:

I - planície alagável do Bioma Pantanal de Mato Grosso: corresponde a área inundável da Bacia do Alto Paraguai - BAP, cuja delimitação é aquela estabelecida pelo IBGE, área relativamente plana, sujeita a inundações sazonais, causadas por transbordamentos de rios ou pela concentração pluviométrica associada à impermeabilidade do solo;

II - solos hidromórficos: solos que em condições naturais se encontram saturados por água, permanentemente ou em determinado período do ano, independentemente de sua drenagem atual e que, em virtude do processo de sua formação, apresentem no seu perfil, comumente, cores acinzentadas, azuladas, esverdeadas e/ou cores pretas, resultantes do acúmulo de matéria orgânica;

III - serviços ambientais das áreas úmidas: estocagem periódica da água e a sua lenta devolução para os igarapés, córregos e rios conectados, reduzindo com isso a flutuação do nível da água e o perigo de enchentes e secas catastróficas; recarga dos aquíferos; retenção de sedimentos; purificação da água; fornecimento de água limpa; dessedentação de animais, silvestres e domésticos; regulagem do microclima; recreação (banho, pesca, lazer); ecoturismo; manutenção da biodiversidade; estocagem de carbono orgânico; moradia para populações tradicionais; fornecimento de produtos madeireiros e não madeireiros (fibras, plantas medicinais, frutas, etc.), pescados e produtos agropecuários;

IV - pastagens nativas: são as áreas naturais de campo com predominância de espécies herbáceas nativas de valor forrageiro. Correspondem às fitofisionomias de campos limpos, inundáveis ou não, campo cerrado, campo de murundu, vazantes, bordas de lagoas, entre outros, no Pantanal;

V - formação campestre: áreas em relevo um pouco mais elevado em relação à categoria “campo alagado e área pantanosa”, mas ainda sujeitas às inundações periódicas. São as áreas localmente chamadas de campos, cobertas por gramíneas e outras plantas herbáceas, com poucos arbustos e árvores;

VI - formação savânica: são paisagens contendo vegetação arbórea, arbustiva e campestre em proporções variáveis, mas necessariamente contendo uma matriz campestre;

VII -  formação florestal: são os tipos de vegetação com dominância de árvores com altura acima de 5m e copas que se tocam;

VIII - campos alagados: são áreas cobertas por vegetação herbácea que inundam em determinado período do ano, conhecidas localmente como campos limpos, onde ocorrem as principais espécies nativas forrageiras para os animais silvestres e gado. Dentre elas estão Axonopus purpusii (Mez) Chase (capim mimoso), Hemarthria altissima (Poir.) Stapf. & C. E. Hubb. (capim mimoso-de-talo), Hymenachne amplexicaulis (Rudge) Nees (capim-de-capivara), Leersia hexandra Sw. (grameiro), (Panicum dichotomiflorum Michx. (capim-do-brejo) Steinchisma laxum (Sw.) Zuloaga (grama-do-carandazal), Paspalum plicatulum Michx. (capim-felpudo) Paspalum wrightii Hitchc. & Chase (macega-branca) Reimarochloa spp. (capim mimosinho), entre outras (Santos et al., 2009);

IX - campos de murundu: são áreas mau drenadas de matriz campestre com pequenas elevações (ilhas) ocupadas por espécies de plantas lenhosas de cerrado;

X - limpeza de pastagens: prática de manejo de pastagens nativas e cultivadas, que visa ao controle de espécies colonizadoras indesejadas para a atividade de pecuária extensiva, reduzindo sua densidade a um nível que não interfira na produtividade, na função e nos processos do ecossistema das formações campestres da planície inundável do bioma Pantanal;   

XI - restauração: restituição de um ecossistema ou de uma população silvestre degradada o mais próximo possível da sua condição original.

Art. 3º   O manejo da vegetação visando restaurar ou manejar a  formação campestre em paisagens do Pantanal, com vistas à atividade de pecuária extensiva, será permitido mediante solicitação de autorização ao órgão ambiental estadual competente.

§ 1º   A autorização para manejo da vegetação para finalidades definidas no caput deste artigo só será emitida para áreas que estejam localizadas dentro das categorias de vegetação “pastagens”, “formação campestre”, “formação savânica” e “campos alagados”, delimitadas no mapa do Anexo Único do presente decreto. Dentro destas categorias, as áreas passíveis de manejo visando a restauração são as de campo inundável, campo não inundável, campo de murundu e tipos de vegetação de savana colonizadas por espécies arbóreas monodominantes, desde que não configurem uma formação florestal. ”

§ 2º  Para identificação das categorias contidas no parágrafo anterior será adotado o mapa elaborado pela EMBRAPA, contido no Anexo Único do presente decreto.

§ 3º  As áreas que possuam condições semelhantes ao estabelecido no § 1º, mas estejam fora das regiões estabelecidas no mapa adotado pelo órgão ambiental, poderão ser objeto dos mesmos procedimentos desde que apresentado laudo demonstrando tal situação, nos moldes do Termo de Referência Padrão.

§ 4º  Não será permitida remoção de vegetação arbórea e arbustiva nativa presente nas elevações naturais dos campos de murundus, capões e cordilheiras, ou seja, com presença de fitofisionomias de cerrado sensu stricto, cerradão e formações florestais, bem como nas áreas de preservação permanente conforme definidas pela Lei n. 12.651, de 25 de maio de 2012.

§ 5º  Não será permitida a implantação de diques e drenos, superficiais ou profundos, visando a alterar o regime hidrológico em ambientes na planície inundável do Pantanal com vistas a objetivos definidos no caput deste Artigo.

§ 6º  Não será permitido aplainar as elevações dos campos de murundus e nem retirar a vegetação que ocorre nas elevações, mesmo que não contenham espécies arbustivas ou arbóreas.

Art. 4º  As áreas a serem restauradas deverão ser identificadas e delimitadas pelo interessado, e consideradas no processo de autorização a ser emitida pela Secretaria de Estado de Meio Ambiente.

Art. 5º  Consideram-se que as áreas passíveis de manejo para restauração ou manutenção de formações campestres do bioma Pantanal, no Estado de Mato Grosso, são aquelas que contém comunidades dominadas pelas seguintes espécies:

I - Comunidades vegetais colonizadas pelas espécies arbustivas:

a) Algodão-bravo (Ipomoea carnea) - algodoal

b) Assa-peixe (Vernonanthura brasiliana)

c) Canjiqueira (indivíduos jovens de Byrsonima cydoniifolia) - canjiqueiral

d) Leiteiro branco (Sapium sp.) - leiteral

e) Malva-branca (Waltheria albicans)

f) Mata pasto (Senna alata e aculeata)

g) Pombeiro (Combretum spp.) - pombeiral

h) Saranzinho (Sesbania virgata)

i) Amoroso (Hydrolea spinosa)

j) Arrebenta-laço (Sphinctanthus micropyllus)

II - Comunidades vegetais colonizadas por indivíduos jovens das espécies arbóreas:

a) Cambará (Vochysia divergens) jovem - cambarazal

b) Guanandi (Calophyllum brasiliense) - landizal

c) Lixeira (Curatella americana) - lixeiral

d) Louro preto (Cordia glabrata) - loural

e) Maminha de porca (Zanthoxylum hasslerianum)

f) Pateiro (Couepia uiti) - pateiral

g) Pimenteira (Licania parvifolia) - pimenteiral

III - Espécies herbáceas (campestres):

a) Urochloa spp. (braquiárias)

§ 1º  Consideram-se indivíduos jovens das espécies arbóreas previstas nas alíneas “b” a “g” do inciso II, aquelas com altura menor que 5 m e diâmetro do caule na altura do solo menor ou igual a 5 cm).

§ 2º  Áreas de cambarazal em estágio inicial de colonização de áreas campestres são passíveis de manejo visando à restauração ou manutenção  da formação campestre, desde que não contenha árvores que constituem uma floresta estruturada com altura acima de 5 m e copas que se tocam, ou ainda com 05 cm de diâmetro a altura do peito-DAP.

Art. 6º  A emissão de autorização de manejo para a restauração das formações campestres (Autorização de Limpeza) visando recuperar, restaurar ou manter a formação campestre em paisagens do Pantanal, com vistas à atividade de pecuária extensiva, será precedida da avaliação dos requisitos contidos no presente decreto, de análise de imagem de alta resolução, e, quando necessário, de vistoria no imóvel.

Art. 7º  A autorização de limpeza terá validade de 3 (três) anos, podendo ser realizadas as atividades por todo o período dentro da área autorizada pelo órgão ambiental competente.

Parágrafo único  Será cobrada a taxa de autorização diversa para análise e emissão da autorização de limpeza de área no pantanal.

Art. 8º  O material oriundo da limpeza autorizada não poderá ser acumulado no interior ou nas bordas de capões e cordilheiras, ou ainda áreas de preservação permanente, por constituírem material de alta combustibilidade.

Art. 9º  A SEMA publicará os Termos de Referência Padrão para obtenção da Autorização de Limpeza.

Art. 10   O uso do fogo para manejo direto da vegetação campestre ou para remoção de coivaras e leiras de material lenhoso já removido, deverá ser precedido da autorização de queima controlada e atendimento as medidas impostas pelo órgão ambiental no ato autorizativo.

Parágrafo único  A autorização de queima controlada observará o período proibitivo de uso do fogo.

Art. 11  A construção de bebedouros escavados para dessedentação animal, que não decorra de barramento de curso d´água, independe de licenciamento ambiental.

Parágrafo único   Deverão ser adotadas as seguintes medidas na construção dos bebedouros escavados:

I - não atingir aquífero freático;

II - não ser construído em áreas de preservação permanente, reserva legal ou nas áreas proibidas pela lei nº 8.830 de 21/01/2008.

Art. 12  Este Decreto entra em vigor na data de sua publicação.

Palácio Paiaguás, em Cuiabá, 18 de janeiro de 2021, 200° da Independência e 133° da República.

Anexo Único