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MENSAGEM Nº      39,       DE  22  DE        MARÇO           DE 2023.

Senhor Presidente da Assembleia Legislativa,

No exercício das competências contidas nos artigos 42, § 1º, e 66, inciso IV, da Constituição do Estado, comunico a Vossa Excelência que decidi vetar integralmente o Projeto de Lei nº 07/2023, que "Altera o disposto no art. 64 da Lei nº 11.955, de 09 de dezembro de 2022, que dispõe sobre as diretrizes para a elaboração da Lei Orçamentária de 2023 e dá outras providências”, aprovado por esse Poder Legislativo na Sessão Plenária do dia 1º de março de 2023.

Isso porque, ao permitir o repasse de transferências voluntárias aos Municípios inadimplentes de até 50.000 (cinquenta mil) habitantes, mediante alteração do art. 64, da Lei nº 11.955/2022, a propositura incorre em ingerência indevida sobre atribuições do Poder Executivo e, mais ainda, é incompatível com a Lei de Responsabilidade Fiscal.

Em primeiro lugar, forçoso reconhecer que a propositura cria atribuições e interfere no funcionamento e organização de Secretarias de Estado, produzindo regras de cunho materialmente administrativo, cuja faculdade para deflagrar o competente processo legislativo é atribuída ao Chefe do Poder Executivo, nos termos do art. 39, parágrafo único, II, “d” e do art. 66, V, da Constituição Estadual.

Ora, cabe privativamente ao Poder Executivo, por meio da Secretaria de Estado de Fazenda - SEFAZ, dentre outras atribuições, "[...] orientar, coordenar e supervisionar a elaboração, a execução e o monitoramento dos seguintes instrumentos: a) Lei de Diretrizes Orçamentárias - LDO; b) Lei Orçamentária Anual - LOA;", conforme ilação do art. 21, III, da Lei Complementar nº 612/2019. Ainda, de acordo com art. 24, IV, da mesma norma, cabe à Secretaria de Estado de Planejamento e Gestão - SEPLAG, a atribuição de "[...] estabelecer as diretrizes e a metodologia e organizar a elaboração dos seguintes instrumentos de planejamento: a) Plano de Longo Prazo - PLP; b) Plano Plurianual - PPA; c) Plano de Trabalho Anual - PTA;". Nota-se, assim, que a matéria objeto do projeto de lei em análise é de responsabilidade da SEFAZ e da SEPLAG.

Infere-se, ainda, que o desenho institucional dos Poderes é definido pela Carta Política, sendo vedado aos estados criar novas ingerências de um Poder na órbita de outro que não derivem explícita ou implicitamente de regra ou princípio da própria Constituição Federal. Nesse sentido, a Constituição Federal acreditou ao chefe do Poder Executivo a função de chefe de governo e de direção da Administração Pública (art. 84, II; art. 61, §1º, II, CF), comando, esse, replicado no âmbito estadual (arts. 39 e 66 da CE).

Ressalta-se, nesse ponto, que a legislação constitucional fixou que normas que estabelecem ações obrigatórias ao Poder Executivo devem ser elaboradas pelo próprio Poder Executivo, composto por órgãos técnicos com maior expertise acerca da temática, e que efetivamente, desenvolvem as ações necessárias para concretizar os objetivos almejados pela lei e pelo interesse público.

De outro norte, ainda que se entendesse que a propositura não usurparia competência privativa do Chefe do Poder Executivo, o projeto em análise também possui vício material o que corrobora a impossibilidade de sua aprovação.

Inicialmente, impende registrar que, o art. 163, I da Constituição Federal, reserva à lei complementar, a forma para dispor sobre finanças públicas. No que se refere especificamente à regulação da matéria orçamentária, a Carta Política estabelece em seu art. 165, §9º, incisos I e II, respectivamente, a necessidade de editar lei complementar para tratar sobre exercício financeiro, a vigência, os prazos, a elaboração e a organização do plano plurianual, da lei de diretrizes orçamentárias e da lei orçamentária anual; e sobre gestão financeira e patrimonial da administração direta e indireta. Vê-se, assim, que a correta apresentação da matéria versada na propositura em apreço se daria mediante apresentação de projeto de lei complementar.

Além de contrariar os art. 163 e 165, §9º, incisos I e II da Constituição Federal, a proposição, conforme se depreende da análise de seu texto, ao criar hipótese de transferência voluntária de recursos aos municípios inadimplentes, também contraria diretamente o art. 25, §1º, IV da Lei Complementar nº 101, de 4 de maio de 2000.

Em síntese, supracitado artigo ao dispor acerca das transferências voluntárias consistentes na entrega de recursos a outro ente da Federação, a título de cooperação, auxílio ou assistência financeira, que não resulte de determinação constitucional ou estabelecida em lei, ou, ainda, os destinados ao Sistema Único de Saúde, fixa em seu §1º, certos requisitos condicionantes para percepção desse benefício, além daqueles estabelecidas na própria Lei de Diretrizes Orçamentária, como forma de garantir sua regularidade fiscal.

Dentre tais exigências, referido dispositivo fixa como critério imprescindível para celebrar e receber tais recursos, a devida comprovação de regularidade, por meio de certidões negativas ou certidões positivas com efeito de negativas. Em outros termos, o art. 25 da Lei Complementar nº 101/2000 veda a transferência voluntária de recursos públicos à beneficiários que se encontram em situação de inadimplência para com a Administração Pública, como forma, ulterior, de resguardar o Erário Público e a correta execução dos acordos firmados.

Vale destacar que o mesmo artigo já apresenta exceções que desobrigam os municípios de apresentar regularidade para firmar ou receber recursos de transferências voluntárias, quais sejam, convênios da área de saúde, educação e assistência social. Nota-se, assim, que a própria Lei Complementar nº 101/2000, ao fixar as exigências para repasse de transferências voluntárias, apresenta exceções quanto às áreas de educação, saúde e assistência social, ou seja, apenas os convênios com objetos, oriundos dessas áreas não se sujeitam ao crivo da regularidade fiscal exigida no §1º, do art. 25 da norma em questão.

Impende registar, ainda, que, embora louváveis a intenção de se buscar garantir aos pequenos municípios, mediante retirada da exigência da demonstração da situação de adimplência dos municípios com até 50.000 (cinquenta mil) habitantes, sob justificativa de a LDO/2021 da União possuir dispositivo que permitiria essas transferências, de modo a resguarda-los do ônus de uma situação que não deram causa, qual seja, a pandemia da Covid-19, tal iniciativa encontra obstáculo na Lei Complementar nº 101/2000.

Impende recordar, também, que, na época de deliberação da citada proposta federal, fora oposto veto presidencial aos referidos artigos incluídos na Lei nº 14.116, de 31 de dezembro de 2020 (LDO/2021) e na Lei nº 14.194, de 20 de agosto de 2021 (LDO/2022) por contrariar as normas de gestão fiscal. Novamente, durante a discussão da LDO/2023 da União (Lei nº 14.436, de 9 de agosto de 2022), também opôs veto ao citado dispositivo, pelo mesmo argumento.

Por derradeiro, convém destacar que a Secretaria de Estado de Fazenda - SEFAZ, por meio da Informação Técnica nº 004/2023, manifestou-se contrária à propositura por violação direta à Lei Complementar nº 101, de 4 de maio de 2000, sobretudo, por dispensar a "[...] adimplência identificada em cadastros ou sistemas de informações financeiras, contábeis e fiscais, como condição para o recebimento de transferências voluntárias pelos municípios até 50.000 (cinquenta mil) habitantes, inclusive para o recebimento de bens, materiais e insumos, a título de doação", o que ofende o próprio interesse público já que subtrai relevante medida de finanças públicas voltada à responsabilidade na gestão fiscal. Ainda, de acordo com a pasta, dos 141 municípios do estado apenas 11 possuem mais de 50.000 (cinquenta mil) habitantes. Assim, por conseguinte, a iniciativa parlamentar, se aprovada, subtrai relevante medida de controle das finanças públicas voltada para a responsabilidade na gestão fiscal, fragilizando, ainda mais, o Erário Público.

Em complemento às informações trazidas pela SEFAZ, oportuno mencionar que em consulta ao Sistema de Gerenciamento de Convênios (SIGCon), conforme Relatório de entidades e documentação com Certidão parcial, dos 141 municípios existentes no Estado, 92 estão inadimplentes, sendo que 86 são municípios com até 50.000 (cinquenta mil) habitantes.

Importante ressaltar que a adoção de medidas jurídicas desproporcionais para beneficiar pequenos municípios pode ensejar risco na higidez orçamentária estadual. Isso porque, ao adotar medidas que beneficiem exclusivamente esses municípios, além de criar uma situação de desigualdade em relação aos demais, pode afetar negativamente o orçamento estadual, considerando o quantitativo de 86 munícipios com população inferior à 50.000 (cinquenta mil) habitantes que estão inadimplentes. Nesse sentido, viabilizar transferências voluntárias para tais municípios pode acarretar em desequilíbrio da saúde financeira do Estado, visto que esses entes possuem menos recursos e menor capacidade de arrecadação e pagamento de dívidas.

Por fim, instada a manifestar-se, a Procuradoria-Geral do Estado opinou pelo veto total ao projeto de lei pela sua inconstitucionalidade, de acordo com o tópico elencado no parecer, o qual acompanho integralmente:

(i)    Inconstitucionalidade formal, por invadis a competência do Poder Executivo para criar atribuições a entidades da Administração Pública e versar sobre seu funcionamento e organização - arts. 39, parágrafo único, II, "d" e 66, V, da Constituição Estadual; e

(ii)   Incompatibilidade com norma federal, por contrariar art. 25 da Lei Complementar nº 101/2000 que disciplina a transferência voluntária de recursos entre entes da Federação, uma vez que autoriza repasse à municípios com até 50.000 (cinquenta mil) habitantes, mesmo que inadimplentes, subtraindo relevante medida de controle das finanças públicas voltada para a responsabilidade na gestão fiscal.

Essas, Senhor Presidente, são as razões que me levaram a vetar integralmente o Projeto de Lei nº 07/2023, as quais ora submeto à apreciação dos membros dessa Casa de Leis.

Palácio Paiaguás, em Cuiabá,  22  de   março   de 2023.

MAURO MENDES

Governador do Estado