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RESOLUÇÃO Nº 160/2023/CSDP/MT

Cria as diretrizes gerais para o atendimento da Defensoria Pública do Estado de Mato Grosso com o objetivo de prevenir o feminicídio, agravamento dos casos de violência doméstica e familiar contra as mulheres, e suas consequências.

CONSIDERANDO a urgente necessidade de medidas de prevenção que visem a diminuição das desigualdades estruturais que são interligadas pelo sistema de opressões, ou seja, classe, raça e gênero em todo o país, e, e em especial em Estado de Mato Grosso;

CONSIDERANDO que no ano de 2022 os feminicídios ocorridos em Mato Grosso deixaram 92 crianças sem mães, das 47 mulheres que foram mortas, 42 tinham filhos e filhas. Ao todo, 101 mulheres foram mortas. (G1 MT, 2023);

CONSIDERANDO o recente relatório de pesquisa de mestrado em Sociologia pela Universidade Federal de Mato Grosso da Defensora Pública, Drª Rosana Leite Antunes de Barros: “O atendimento no Núcleo de Defesa das Mulheres da Defensoria Pública de Mato Grosso: uma análise quanto às experiências das assistidas”;

CONSIDERANDO o recente relatório de pesquisa de mestrado em Política Social da Universidade Federal de Mato Grosso da Defensora Pública, Drª Tânia Regina de Matos: “O papel da Defensoria Pública na formação da rede de enfrentamento à violência doméstica e familiar de Várzea Grande, MT”;

CONSIDERANDO o protocolo de atendimento que tem como base o ciclo de violência identificado pela psicóloga norte-americana, Drª Lenore Walker.

CONSIDERANDO o formulário de risco, de preenchimento obrigatório pelo Poder Judiciário, de acordo com o Conselho Nacional de Justiça (CNJ).

O CONSELHO SUPERIOR DA DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DE MATO GROSSO no uso de seu poder normativo, estabelecido pelo art. 21, I, da Lei Complementar Estadual n°. 146, DE 29 DE DEZEMBRO DE 2003, com as devidas alterações, bem como previsto no Regimento Interno, artigo 19, III, (Resolução 92/2017).

R E S O L V E:

Art. 1º Ficam estabelecidas as diretrizes gerais para o atendimento da Defensoria Pública, com a finalidade de prevenir o feminicídio, agravamento dos casos de violência doméstica e familiar contra as mulheres, nos termos da Lei nº 11.340/06.

Parágrafo único. Deverá ser prestada assistência jurídica em favor da mulher/vítima quando for constatado que, independentemente da condição econômica, há hipossuficiência jurídica, isto é, quando não for possível o acesso à justiça sem a prestação da assistência jurídica gratuita, caso em que a atuação se restringirá a providências, administrativas e judiciais, sendo considerada a presunção relativa e momentânea da hipossuficiência.

Art. 2º Ao proceder o atendimento de uma mulher/vítima que afirme estar sofrendo algum tipo de violência (moral, psicológica, patrimonial, física ou sexual), é necessário perguntar imediatamente se ela deseja requerer uma medida protetiva de urgência.

§ 1º Caso a mulher/vítima informe que não deseja a medida protetiva após o questionamento, o atendente deve preencher o formulário de cadastramento, conforme anexo, para fins estatísticos, explicando que as respostas não são obrigatórias caso ela não se sinta à vontade.

§ 2º As informações contidas no formulário serão registradas internamente pela Defensoria Pública e armazenadas no sistema SOLAR.

§ 3º Se a mulher/vítima expressar o desejo de obter uma medida protetiva de urgência, deve-se orientá-la a fazer o requerimento imediatamente, explicando as implicações e consequências jurídicas, destacando a existência da rede de atendimento ou enfrentamento à violência contra a mulher. Nesse caso, também é necessário preencher o formulário de cadastramento (anexo) para monitoramento e avaliação do atendimento.

§ 4º A mulher/vítima não é obrigada a responder as perguntas caso não se sinta à vontade, mas que as informações podem ser utilizadas para garantir sua segurança, conforme autorizado pela Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD).

§ 5º Se a mulher vítima de violência doméstica e familiar não desejar registrar um boletim de ocorrência, mas ainda quiser obter as medidas protetivas de urgência, a membra ou membro da Defensoria Pública deverá fazer o pedido correspondente, explicando a autonomia desse instituto processual, conforme o artigo 19, § 5º da Lei 11.340/2006.

§ 6º Nos municípios em que o aplicativo "SOS Mulher - Botão do Pânico Virtual" estiver disponível pelo Poder Judiciário, deve-se perguntar à mulher/vítima se o aplicativo foi instalado em seu celular, uma vez que será necessário quando a medida protetiva for deferida pelo juiz e estiver no sistema do Processo Judicial Eletrônico. O aplicativo é gratuito e pode ser baixado nas lojas “PlayStore” e “AppStore” para telefones e tablets. Para acessar o site "Medida Protetiva Online", basta digitar o endereço https://sosmulher.pjc.mt.gov.br/ na barra de navegação.

§ 7º Após o deferimento da medida protetiva, deixando de comparecer para promoção da ação principal, a Defensoria Pública deve entrar em contato com a mulher em situação de violência por telefone celular, aplicativos de mensagens ou outros meios para saber porque ela não retornou para continuidade do atendimento.

§ 8º Ao propor a ação, a mulher/vítima deve ser informada de que, caso queira manter seu endereço em sigilo, será adotado um procedimento específico perante o Poder Judiciário para garantir essa condição. Além disso, deve ser esclarecido que apenas a Defensoria Pública e o Poder Judiciário terão acesso à informação sobre seu paradeiro (endereço e telefone).

§ 9º Devido ao aumento de mulheres vítimas de violência envolvidas com agressores de organizações criminosas, a Defensora ou Defensor Público que estiver atuando em defesa dessas mulheres em situação de violência doméstica e familiar podem informar à Administração Superior para garantir sua proteção durante o processo.

§ 10 Caso haja suspeita de que a mulher/vítima de violência tenha trocado de número de celular ou não esteja disponível, o servidor responsável pelo acompanhamento pós-atendimento deve entrar em contato com outras instituições da rede de enfrentamento em seu município, conforme autorizado pelo artigo 11 da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), com o objetivo de localizar a assistida.

Art. 3º O formulário de cadastramento deve conter, no mínimo, nome, idade, cor/etnia, raça, número de filhos(as), ocupação remunerada ou não, religião (se desejar informar), tipos de violência sofrida pela mulher em situação de violência e vínculo (parentesco) com o agressor, conforme anexo.

Art. 4º Toda Defensora e Defensor Público é um educador jurídico popular e prioritariamente realizará palestras na comunidade, especialmente nas escolas, a fim de cumprir a lei nº 14.164/21, promovendo uma nova cultura de igualdade de gênero, raça e classe, e representando a Defensoria Pública na rede de enfrentamento à violência contra a mulher no município.

Parágrafo único. As Defensoras e Defensores Públicos, em estágio probatório, deverão comprovar em seu relatório mensal as atividades (RMA) as atividades descritas no “caput”, sendo considerado atividade relevante conforme disposto no artigo 6º, XIII da Resolução nº 157/2023/CSDP.

Art. 5º O protocolo de atendimento é baseado no ciclo de violência, dividido em três fases.

§ 1º Na primeira fase, chamada de tensão, em que o agressor demonstra irritação por questões insignificantes, apresenta acessos de raiva, humilha a vítima, ameaça e destrói objetos, geralmente envolvendo violência psicológica ou moral, a Defensoria Pública deve recomendar a consulta com um profissional da área de psicologia, encaminhando ao órgão competente na rede pública de saúde, ou sugerir a participação da mulher/vítima em grupos de apoio, como CODA (Codependentes Anônimos), MADA (Mulheres que Amam Demais Anônimas) ou similares.

§ 2º Caso não haja grupos de apoio mencionados no parágrafo anterior, ou a falta de grupos de reflexão no município, o Defensor ou a Defensora Pública deve incentivar a criação desses grupos e, se necessário, buscar a assistência do NUDEM/MT - Núcleo de Defesa das Mulheres de Mato Grosso, para troca de experiências sobre o assunto.

§ 3º Na segunda fase, em que ocorre a materialização da tensão acumulada na primeira fase, ou seja, violência física ou sexual, quando a vítima tem consciência de que o agressor está fora de controle e representa um perigo para sua vida, a mulher/vítima experimenta sentimento de impotência, confusão, vergonha e dor. Nesse estágio, a Defensoria Pública, quando procurada, deve fornecer informações sobre violência doméstica.

§ 4º Para cumprir o parágrafo anterior, a Defensoria Pública pode indicar um dos equipamentos sociais mais próximos da residência da mulher/vítima em situação de violência, como o Centro de Referência da Assistência Social (CRAS), entre outros recursos disponíveis.

§ 5º Caso a Defensoria Pública seja contatada por agentes de saúde, assistentes sociais ou outros servidores que possuam fé pública, informando sobre uma mulher/vítima que está sofrendo violência doméstica em determinado local, o Defensor ou Defensora Pública deve compartilhar essas informações com a Patrulha Maria da Penha (se houver esse serviço no município) ou agentes das forças de segurança.

§ 6º O procedimento descrito no parágrafo anterior pode ser incluído no termo de cooperação técnica que define as atribuições de cada entidade que compõe a Rede de Enfrentamento à Violência contra a mulher.

§ 7º Na terceira fase, também conhecida como "Lua de Mel", caracterizada pelo arrependimento do agressor, que se torna amável para buscar a reconciliação, a mulher vivencia uma variedade de sentimentos e pode decidir manter o relacionamento perante a sociedade, especialmente se houver filhos da união. Em geral, ela cede, enquanto o agressor promete mudar seu comportamento no relacionamento. A mulher em situação de violência experimenta uma mistura de sentimentos e emoções. No entanto, a tensão retorna, trazendo consigo as agressões da primeira fase. Portanto, se a mulher/vítima buscar ajuda do poder público para interromper o ciclo de violência doméstica, ela deve receber apoio total, imediato e irrestrito.

§ 8º Se o ex-marido, ex-companheiro ou ex-namorado, estando preso ou não, estiver descumprindo a medida protetiva e a mulher/vítima retornar ao núcleo para informar que o agressor continua desobedecendo à ordem legal, a Defensoria Pública deve entrar em contato por escrito com a Patrulha Maria da Penha ou agentes dos forças de segurança, utilizando e-mail funcional ou outra forma de comunicação eletrônica, registrando o nome, dia e horário da pessoa que recebeu as informações no sistema SOLAR, para futuras providências junto ao órgão ouvidor ou correcional correspondente.

Art. 6º Quando uma mulher em situação de violência procurar a Defensoria Pública para acompanhar os procedimentos dos artigos 27 e 28 da Lei Maria da Penha, o Defensor ou a Defensora Pública responsável realizará esse acompanhamento, analisando se é necessário solicitar assistência à acusação ou apenas acompanhar o processo.

§ 1º Se o membro ou membra da Defensoria Pública estiver representando a parte adversa no procedimento, este deve informar à Administração Superior a impossibilidade de realizar o acompanhamento processual da mulher/vítima em situação de violência.

§ 2º Na hipótese do parágrafo primeiro, a Defensoria Pública promoverá o acolhimento da mulher/vítima, e diante da impossibilidade de atendimento, procederá o cadastro da assistida junto ao sistema SOLAR, e encaminhará formalmente a rede de proteção da mulher vítima de violência, aos equipamentos sociais mais próximo da residência da mulher e ou outros órgãos que entender necessário.

Art. 7º Por muito tempo, as mulheres não tiveram suas vontades respeitadas, sendo privadas de serem protagonistas de suas próprias vidas e histórias. Portanto, ao atender uma mulher, a Defensora ou Defensor Público explicará sobre o ciclo da violência doméstica e familiar e os feminicídios, discorrendo sobre a importância de formalizar os procedimentos para romper o ciclo de violência.

Parágrafo único. A Defensoria Pública de Mato Grosso, por meio de suas Defensoras e Defensores Públicos, não substituirá a vontade das mulheres.

Art. 8º A ficha cadastral, conforme anexo, deve ser preenchida em todos os atendimentos que envolvam violência doméstica e familiar, a fim de subsidiar uma melhor atuação e futuras pesquisas no âmbito da Defensoria Pública Estadual.

Parágrafo único. A ficha cadastral servirá apenas para dados internos da Instituição e não fará parte dos autos dos processos, sendo registrada no sistema SOLAR e tendo seu sigilo resguardado.

Art. 9º Esta Resolução entra em vigor na data de sua publicação.

Cuiabá, 15 de dezembro de 2023.

Maria Luziane Ribeiro de Castro

Presidente do Conselho Superior

ANEXO - INCLUSÃO NO SISTEMA SOLAR.

Ficha de Cadastral

Data: _______/_______/_______

1 - IDENTIFICAÇÃO

Depende financeiramente do agressor?  (   ) Sim     (   ) Não

Possui Religião? (   ) sim   (   ) não

2 - SITUAÇÃO DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA

Já sofreu algum tipo de violência doméstica? (   ) Sim    (   ) Não

Física:

(   ) Chute        (   ) Tapa       (   ) Com uso de objetos    (   ) Espancamento

(   ) Empurrão  (   )Corte       (   ) Soco                            (   ) Queimadura              (   ) Tiro       (...) Várias

Psicológica:

(   ) Ameaças   (   ) Ameaça de morte   (   ) Xingamento (   ) Cárcere Privado

(   ) Negligência (   ) Várias

Sexual:

(   ) Relação sexual forçada        (   ) Relação sexual forçada com animais

(   ) Tentativa de estupro             (   ) Relação sexual forçada com terceiros

(   ) Atentado violento ao pudor   (   ) Relação sexual forçada com armas

(   ) Estupro    (   ) Ato Obsceno   (   ) Abuso    (   ) Várias

Patrimonial:

(   )  Destruição parcial ou total de seus objetos  (   )  Retenção

(   ) Subtração  (   )Instrumento de trabalho  (   ) Documentos Pessoais

(   ) Várias

Moral:

(   ) Calúnia (   ) Injúria  (   ) Várias

Quem foi o agressor?

(   ) Marido   (   ) Companheiro   (   ) Namorado   (   ) Ex-Marido

(   ) Pai (   ) Várias

3 - ATENDIMENTO DA POLÍCIA MILITAR

Como foi o atendimento prestado pela Polícia Militar?

(   ) Ótimo         (   ) Bom           (   ) Razoável          (   ) Ruim

(   ) A PM não chegou ao local da agressão apesar de ter sido acionada

(   ) Foi prestado por Órgão de segurança

4 - USO DE DROGAS OU ÁLCOOL

O agressor faz uso de drogas ou álcool?  (   ) Sim    (   ) Não

Qual tipo de droga utiliza?

(   ) Maconha    (   ) Pasta Base  (   ) Cocaína

(   ) Crack         (   ) Álcool           (   ) Outra

Quanto tempo é usuário?

(   ) Até 1 ano    (   ) 1 ano  (   ) 2 anos

(   ) 3 anos        (   ) 4 anos     (   ) acima de 4 anos