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RAZÕES DE VETO

MENSAGEM Nº     14,     DE   17   DE        JANEIRO        DE 2018.

Senhor Presidente da Assembleia Legislativa,

No exercício da competência estabelecida pelo artigo 42, § 1º, da Constituição Estadual tenho a honra de submeter à apreciação dessa Casa de Leis, as RAZÕES DO VETO PARCIAL aposto ao Projeto de Lei nº 198/2016, que “Dispõe sobre a presença de doulas durante todo o período de trabalho de parto, parto e pós-parto imediato, e dá outras providências”, aprovado por esse Poder Legislativo na Sessão Ordinária do dia 29 de novembro de 2017.

Reconhecendo os méritos da propositura, foi colhida manifestação da Procuradoria-Geral do Estado (PGE) que, por meio do Parecer nº 002/SGACI/2018, opinou pelo veto parcial em razão de vícios de constitucionalidade, pelas razões que seguem.

Conforme o Parecer da Procuradoria, o artigo 2º do Projeto de Lei, ao vedar que as doulas realizem procedimentos médicos, clínicos ou de enfermagem “entre outros, desde que não tenha curso específico para realização dessas atividades”, incorre em vício de constitucionalidade material por invadir a competência privativa da União para legislar sobre condições para o exercício de profissões, nos termos do art. 22, XVI, da Constituição da República.

No artigo 3º é estabelecido que a entidade que descumprir as prescrições da lei estará sujeita às penalidades previstas nos seus incisos, sendo que o inciso I prevê advertência na primeira ocorrência, o inciso II sindicância administrativa e o inciso III denúncia ao órgão competente, e o parágrafo único, por fim, anuncia que a aplicação das sanções compete “ao órgão gestor da localidade em que estiver situado o estabelecimento”.

Acerca da sanção administrativa, a PGE registra que CELSO ANTONIO BANDEIRA DE MELLO a conceitua como “providência gravosa prevista em caso de incursão de alguém em uma infração administrativa cuja imposição é da alçada da própria Administração” e cita como exemplos de sanção, dentre outras, “a) advertência; b) sanções pecuniárias - isto é, multas; c) interdição do local ou estabelecimento” (Curso de Direito Administrativo, 25ª ed., Malheiros Editores, SP, p. 835).

Consoante se pode perceber a “advertência, na primeira ocorrência”, se amolda ao conceito e classificação doutrinários da sanção, porém, o mesmo não ocorre com a “sindicância administrativa” e a “denúncia ao órgão competente”.

Com efeito, a Constituição Federal assegura a todos “o direito de petição aos Poderes Públicos em defesa de direitos ou contra ilegalidade” e aos litigantes em geral assegura o “contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes” (art. 5º, XXXIV, ‘a’ e LV).

A petição contra ilegalidade, não se pode negar, é ato de denúncia que pode, ou não, culminar com a aplicação de sanção, da mesma forma a observância do contraditório e a ampla defesa na esfera administrativa exige abertura e regular tramitação de processo administrativo propriamente dito ou de sindicância, sendo que ambos também podem, ou não, culminar com aplicação de sanção.

De forma que tanto a denúncia (direito de petição) como a sindicância são instrumentos que visam apuração de irregularidades, ou seja, são instrumentos que precedem eventuais medidas sancionatórias, o que implica concluir que com a sanção não se confundem.

Os incisos II e III do artigo 3º da propositura, assim, contêm, segundo a PGE, impropriedades jurídicas, e, por isso, serão vetados.

Com o veto aos incisos II e III o artigo 3º fica incompleto e se limitará a estatuir a sanção de “advertência, na primeira ocorrência” e esta medida, certamente, não atingirá os fins perseguidos pela norma se for aplicada isoladamente.

Nestas circunstâncias, impõe-se que o veto não se restrinja aos incisos II e III, mas, que recaia sobre a totalidade do artigo 3º para que se lhe possa dar redação condizente com o ordenamento jurídico e que realmente iniba o cometimento práticas irregulares como, por exemplo, com previsão de aplicação de multa aos infratores.

A propósito, e a título de ilustração, anote-se que a Lei nº 16.869/2016 do Estado de Santa Catarina, que reproduz texto semelhante ao Projeto de Lei em comento, foi reformulada pela Lei nº 17.331/2017 e, desde então, a “denúncia ao órgão competente” foi substituída por sanção pecuniária (multa) (art. 3º), o que se revela de todo apropriado e corrobora os argumentos acima lançados.

O artigo 4º prevê que as sanções estipuladas no artigo 3º somente poderão ser aplicadas depois de “Decorrido o prazo de 6 (seis) meses”, o que demonstra correlação lógica e indissociável entre os dois dispositivos e, uma vez vetado o artigo 3º, força reconhecer que o artigo 4º perde completamente a sua razão de ser.

Por derradeiro, o artigo 5º do Projeto de Lei estabelece que o Poder Executivo poderá regulamentar a lei, o que em outros termos significa que nesse dispositivo o parlamento pretende autorizar/permitir que o Chefe do Executivo exerça uma atribuição que, nos termos do art. 84, IV, da CF, lhe é privativa.

Segundo a doutrina de SERGIO RESENDE DE BARROS, a mera autorização parlamentar “não elide o efeito de dispor, ainda que de forma não determinativa, sobre matéria de iniciativa alheia aos parlamentares” (Revista do Instituto de Pesquisas e Estudos da Instituição Toledo de Ensino de Bauru nº 29, p. 259/267) e, segundo a jurisprudência do STF, “o só fato de ser autorizativa a lei não modifica o juízo de sua invalidade por falta de legitima iniciativa” (STF - RP 993, DJ 08-10-1982 PP-10187).

Destarte, e uma vez que o poder de regulamentar leis se insere dentre as competências privativas do Chefe do Executivo, resta evidente que o artigo 5º da propositura dispõe sobre matéria estranha ao parlamento e, sendo assim, nessa parte o Projeto de Lei afronta o princípio da separação dos poderes, insculpido no art. 2º da CF e, via de consequência, apresenta “vício formal insanável, que não se convalida” (ADI nº 2.417/SP - DJ 05-12-2003, PP-01092).

Posto isto, atendendo ao Parecer da PGE, veto parcialmente, por inconstitucionalidade e contrariedade ao interesse público, os artigos 2º, 3º, 4º e 5º do Projeto de Lei nº 198/2016, submetendo-o à apreciação dos membros dessa Casa de Leis, aguardando sua acolhida nos termos das razões expostas

Palácio Paiaguás, em Cuiabá,  17  de  janeiro  de 2018.