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DECISÃO ADMINISTRATIVA CAUTELAR

Assunto: Cautelar Telemarketing

I - RELATÓRIO

Cuida-se de processo administrativo instaurado ex officio neste ato no âmbito da Secretaria Adjunta e Proteção e Defesa dos Direitos do Consumidor da Secretaria de Estado de Trabalho e Assistência Social de Mato Grosso - Procon/MT em face dos fornecedores TELEPERFORMANCE CRM S.A. (CNPJ: 06.975.199/0001-50), R CAVOUR, 378 , VILA PRUDENTE - SÃO PAULO-SP - CEP: 03.136-010; KONECTA BRAZIL OUTSOURCING LTDA (CNPJ: 08.911.199/0001-11),R LIBERO BADARO,377, CENTRO - SÃO PAULO-SP - CEP: 01.009-906; CONCENTRIX BRASIL TERCEIRIZACAO DE PROCESSOS, SERVICOS ADMINISTRATIVOS E TECNOLOGIA EMPRESARIAL LTDA (CNPJ:  19.447.199/0007-14), R ACHILLES ORLANDO CURTOLO,429, PARQUE INDUSTRIAL TOMAS EDSON - SÃO PAULO-SP - CEP: 01.144-010; TIM S.A. (CNPJ: 02.421.421/0029-12), AVENIDA JOÃO CABRAL DE MELO NETO,850 BARRA DA TIJUCA - RIO DE JANEIRO-RJ - CEP: 22.775-057; TELEFÔNICA BRASIL S/A (CNPJ:  02.558.157/0001-62), AV ENGENHEIRO LUIZ CARLOS BERRINI,1376, CIDADE MONCOES - SAO PAULO-SP - CEP: 04.571-936; CLARO S.A. (CNPJ:  40.432.544/0001-47), R HENRI DUNANT, 780, SANTO AMARO - SÃO PAUL-SP - CEP: 04.709-110; SKY BRASIL SERVIÇOS LTDA (CNPJ:  00.497.373/0001-10), AV MARCOS PENTEADO DE ULHOA RODRIGUES, 1.000, TAMBORE - SANTANA DA PARNAIBA-SP - CEP: 06543-900 ; CREFISA SA CREDITO FINANCIAMENTO E INVESTIMENTOS (CNPJ: 60.779.196/0001-96), R CANADA, 387, JARDIM AMERICA - SAO PAULO-SP - CEP: 01.436-900; BANCO C6 CONSIGNADO S.A. (CNPJ: 61.348.538/0001-86), RUA LIBERO BADARÓ 24° ANDAR CONJ.2401 -EDIFICIO MERCANTIL FINASA, CENTRO - SÃO PAULO-SP - CEP: 01009-000; ITAU UNIBANCO S.A. (CNPJ: 60.701.190/0001-04), PC ALFREDO EGYDIO DE SOUZA ARANHA, 100, PARQUE JABAQUARA - SÃO PAULO-SP - CEP: 04.344-902; BV FINANCEIRA SA CREDITO FINANCIAMENTO E INVESTIMENTO (CNPJ: 01.149.953/0001-89), AV DAS NAÇÕES UNIDAS, 14171, TORRE A, 8° ANDAR, CONJ. 82, VILA GERTUDES - SÃO PAULO-SP - CEP: 04794-000; BANCO MERCANTIL DO BRASIL SA (CNPJ: 17.184.037/0001-10), R RIO DE JANEIRO, 654, CENTRO-MG - CEP: 30.160-912 ; BANCO DO BRASIL SA (CNPJ: 00.000.000/0001-91), Q SAUN QUADRA 5 LOTE B TORRES I, II E III, ASA NORTE - BRASILIA-DF - CEP: 70.040-912; BANCO DAYCOVAL S.A. (CNPJ: 62.232.889/0001-90),AV PAULISTA, 1793, BELA VISTA - SÃO PAULO-SP - CEP: 01.311-200; BANCO PAN S.A. (CNPJ: 59.285.411/0001-13),AV PAULISTA, 1374 - 16º ANDAR, BELA VISTA - SÃO PAULO-SP - CEP: 01.310-100; CAIXA ECONOMICA FEDERAL (CNPJ: 00.360.305/0001-04), ST BANCARIO SUL QUADRA 04, Nº 34,ASA SUL - BRASILIA-DF-CEP: 70.092-900; BANCO BMG S.A (CNPJ: 61.186.680/0001-74), AV PRES JUSCELINO KUBITSCHEK, 1830, VILA NOVA CONCEICAO - SÃO PAULO-SP - CEP: 04.543-900; BANCO BRADESCO S.A. (CNPJ: 60.746.948/0001-12), NUC CIDADE DE DEUS, S/N, VILA YARA - OSASCO-SP - CEP: 06.029-900; BANCO CETELEM S.A. (CNPJ: 00.558.456/0001-71), ALAMEDA RIO NEGRO, 161 - 17º ANDAR, ALPHAVILLE INDUSTRIAL - BARUERI-SP - CEP: 06.454-000; BANCO SAFRA S. A. (CNPJ: 58.160.789/0001-28), AV PAULISTA, 2100, BELA VISTA - SÃO PAULO-SP - CEP: 01.310-930 e BANCO SANTANDER (BRASIL) S.A. (CNPJ: 90.400.888/0001-42), AV PRES JUSCELINO KUBITSCHEK, 2041, VILA NOVA CONCEICAO - SÃO PAULO-SP - CEP: 04.543-011, para apurar possível violação ao direito do consumidor, em razão das ligações abusivas realizadas pelas empresas de Telemarketing, sem o expresso consentimento por parte dos consumidores.

É notório que os Órgãos de Defesa do Consumidor que compõem o Sistema Nacional de Defesa do Consumidor devem intervir no mercado de consumo sempre que se vislumbrar a violação aos direitos e interesses consumeristas, atuando sob coordenação da Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon), por meio do seu Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor (“DPDC”) em âmbito nacional, e pelo Procon/MT no âmbito do Estado de Mato Grosso.

A SENACON tem realizado esforço agigantado para diagnosticar o problema e consolidar os dados de milhares de reclamações realizadas por consumidores de todo o território nacional, tendo instaurado para tanto o procedimento de monitoramento de mercado 08012.001731/2022-69, com o objetivo de apurar as condutas e eventuais práticas abusivas perpetradas pelo setor de Telemarketing

Para um tratamento do tema de maneira uniforme dentro do Sistema Nacional de Defesa do Consumidor, a SENACON elaborou a Nota Técnica nº NOTA TÉCNICA Nº 24/2022/CGCTSA/DPDC/SENACON/MJ (PROCESSO ADMINISTRATIVO Nº 50001.034499/2022-31), cujo diagnóstico a seguir transcrito, se reproduz também no Estado de Mato Grosso:

0.4.   “Nada obstante, no curso do mencionado procedimento, este DPDC passou a averiguar as condutas praticadas pelas operadoras de telemarketing, chegando a, inclusive, receber reclamações, por intermédio de sua Ouvidoria, de um consumidor idoso, que, diariamente, recebe incontáveis ligações de Telemarketing, causando-lhe perturbação e desespero. Em seu relato, o consumidor alega ter recebido mais de 3.000 ligações de telemarketing em seus 05 números de telefone celular, clamando por "socorro" às autoridades governamentais.

0.5    A partir daí, iniciou-se o levantamento de dados sobre o índice de reclamação dos consumidores, cujo resultado foi alarmante.

0.6    Conforme se depreende do documento SEI 18490119, em relação às demandas registradas no Sistema Nacional de Informações de Defesa do Consumidor - Sindec, no período de janeiro de 2019 a junho de 2022, foi apurado um total de 6.085 reclamações em relação aos serviços de telemarketing.

0.7    No que tange às reclamações finalizadas no portal www.consumidor.gov.br, a respeito das ligações indesejadas de

telemarketing, no período de setembro de 2021 a junho de 2022, o número subiu para 8.462.

0.8. Verifica-se, portanto, um alto índice de reclamações quanto às incessantes ligações feitas pelas empresas de telemarketing para oferta de produtos ou serviços, mesmo sem a expressa autorização do consumidor acerca desse tipo de abordagem, tampouco a divulgação dos seus dados para a empresa responsável pelas ligações.

0.9    A corroborar, é válido colacionar algumas noticias (noticias 1 e 2) extraídas da Internet, por meio das quais é possível perceber que o número de consumidores lesados pode ser ainda maior, senão confira-se:

0.10 Conforme se extrai das informações contidas no primeiro sítio de noticias acima colacionado, mais de 9,5 milhões de brasileiros já se cadastraram em um sistema para tentar impedir o recebimento de ligações de Telemarketing, contudo, a medida não foi suficiente, haja vista a persistência das empresas nas ligações sem autorização por parte dos consumidores. Veja- se o relato prestado por um consumidor ao veículo de imprensa G1:

“Eu me sinto invadido, porque eu percebo que o meu número, que seria algo mais confidencial, ele está espalhado por aí”, diz o engenheiro eletricista Diego Ramiro Monteiro.

0.11 O que se conclui, a partir da análise dos números de reclamações, é que os dados utilizados pelas empresas para a prática de telemarketing não foram fornecidos pelos consumidores, tampouco transferidos às mesmas a partir de uma base legal existente, havendo indícios da prática do comércio ilegal de dados pessoais de brasileiros.

0.12 Assim, não há como se conceber que o direto dos consumidores de não serem perturbados seja violado com as excessivas ligações de ofertas de produtos e serviços. Existem casos de indivíduos que não podem se desconectar de seus aparelhos, como médicos, pessoas com familiares enfermos ou, ainda, à espera do retorno de uma entrevista de emprego, e que se encontram à mercê das operadoras de telemarketing, sendo obrigados a atender a cada uma das inúmeras ligações recebidas, por acreditarem se tratar de uma situação de urgência ou aguardada.

0.13 Não se desconhece o direito das empresas de ofertarem os seus produtos e serviços aos consumidores, entretanto, tal oferta não deve ser realizada de forma abusiva e com potencial dano à tranquilidade do consumidor, como ocorre na grande maioria dos casos, em que, além de os consumidores não terem fornecido os seus dados às empresas, ainda não têm os seus pedidos de cessação das ligações atendidos.

0.14 E como se não bastasse, por vezes, as ligações ainda são realizadas por meio de robôs produzidos e programados por empresas de tecnologia para realizar ligações em massa.

0.15 A problemática inerente à prática abusiva do serviço de telemarketing se trata de matéria que vem sendo debatida por diversos entes e órgãos governamentais e defesa do consumidor, sem que, contudo, atinjam o seu desiderato de proteger os consumidores de tais condutas. Não por outro motivo, o Parlamento alemão (Bundestag), aos 25/06/2021, aprovou um pacote de medidas de proteção aos consumidores, dentre as quais se destaca a proibição do telemarketing sem consentimento prévio. A nova regra será inserida no §7º da Lei Anti-concorrencial Alemã (Gesetz gegen unlauteren Wettbewerb).

0.16 No território nacional, com o intuito de mitigar o problema, a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) determinou uma série de medidas, em 03/06/2022, tais como a proibição de ligações realizadas por robôs e o bloqueio dos números de empresas que extrapolam o limite de cem mil chamadas por dia. Contudo, mais uma vez, o problema persiste.

0.17 Igualmente, não se verifica efetividade na determinação do uso do código 0303 pelas operadoras de telemarketing, instituído pela Anatel, uma vez que, o que se verifica na prática é que os consumidores continuam tendo as suas  privacidades invadidas com as insistentes ligações.

0.18 O Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor elaborou uma apresentação, relativa ao Projeto de Lei nº 8.195/2017 - que propõe a criação do Cadastro Nacional para Bloqueio do Recebimento de Ligações Telemarketing, mensagens instantâneas e dá outras providências -, através da qual ilustrou a ineficácia das listas de bloqueio instituídas por demais órgãos  de proteção de defesa do consumidor, uma vez que, além de não darem a proteção necessária aos consumidores, ainda transferem aos mesmos a responsabilidade de manifestarem o seu desejo de não serem importunados ou assediados. Veja-se a ilustração da avaliação realizada pelo Instituto:

0.19 Vê-se, assim, que, em que pese os esforços praticados pelos demais órgãos, na tentativa de coibir a conduta abusiva das operadoras de telemarketing, tais medidas não vêm sendo efetivas e os consumidores seguem sendo lesados e assediados pelas empresas, as quais, através das ligações indesejadas, continuam invadindo as suas casas, os seus trabalhos e as suas intimidades.

0.20 Portanto, considerando-se que a questão em comento vem causando enormes prejuízos ao consumidor, cuja proteção encontra-se no rol das competências desta Secretaria, resta evidente a necessidade de atuação do seu Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor (“DPDC”).”

Reforçando esta análise, a Coordenação-Geral do Sistema Nacional de Informações de Defesa do Consumidor da Secretaria realizou levantamento específico de dados (DESPACHO Nº 442/2022/CGSINDEC/DPDC/SENACON), em especial àqueles atinentes a eventuais reclamações de consumidores sobre o serviço abusivo de telemarketing, obtendo os dados abaixo:

DADOS SINDEC

Sindec - Evolução da Quantidade de Demandas - Telemarketing: 2019 a 2022

Sindec

2019

2020

2021

2022*

TOTAL

Telemarketing

2.849

1.420

1.359

457

6.085

*até junho de 2022

DADOS CONSUMIDOR.GOV.BR:

Consumidor.gov.br - Problema: Ligações Indesejadas de Telemarketing - 2021 e 2022:

CONSUMIDOR.GOV.BR

2021*

2022**

TOTAL

Ligações Indesejadas de Telemarketing (0303)

2.874

5.588

6.085

*setembro a dezembro de 2021

**até junho de 2022

Resta evidente, pelo diagnóstico elaborado pela SENACON e pelas situações relatadas, que as ligações abusivas de telemarketing trazem também aos consumidores mato-grossenses prejuízos de enorme monta, merecendo por estes motivos a justa atuação do Procon-MT, órgão legitimado para realizar a proteção do consumidor em âmbito estadual.

É o relatório.

II - DOS FUNDAMENTOS

2.1 Da Violação aos Direitos do Consumidor. Ligações indesejadas. Perturbação do Sossego.

A Secretaria Adjunta e Proteção e Defesa dos Direitos do Consumidor da Secretaria de Estado de Trabalho e Assistência Social de Mato Grosso - Procon/MT, tendo suas competências estabelecidas pelo Regimento Interno aprovado pelo nº Decreto Estadual nº 969, de 11 de Junho de 2021, destacando-se, dentre elas, a competência para fiscalizar e aplicar as sanções administrativas previstas pela Lei nº 8.078, de 1990, e em outras normas pertinentes à defesa do consumidor.

No caso em tela, a questão se resume em aferir se as empresas de Telemarketing, que efetuam ligações desenfreadas para oferta de produtos ou serviços, sem o consentimento do consumidor, estão violando as Normas Consumeristas.

O Código de Defesa do Consumidor (“CDC”), através de seus princípios e dispositivos, estipula a maneira mais adequada para tratar situações que lesem o consumidor e lhe causem transtornos, prezando pela adequada prestação de serviços.

Pelo caráter principiológico do CDC (Lei Federal nº 8.078/90), que traz normas de ordem pública, diante da falta de previsão legal sobre determinada situação específica, a principiologia consumerista deve ser aplicada para suprir a lacuna legal.

Frise-se, ainda, que a proteção do consumidor é um direito fundamental abarcado pelo artigo 5º da Constituição Federal de 1988, que, em seu inciso XXXII, estabelece que “o Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor”.

A Carta Magna, ao conferir ao Estado a responsabilidade pela defesa do consumidor, constitui um direito fundamental ao consumidor, enquanto pessoa individual ou coletiva, de ter suas prerrogativas zeladas, na medida em que passa a sentir mais segurança nas relações de consumo, já que encontra, no CDC e demais legislações correlatas, o amparo jurídico necessário.

O art. 6º, da Lei Federal 8.078/90, estabelece um rol exemplificativo de direitos básicos de proteção ao consumidor, por meio do qual preconiza, em seu inciso IV, como um desses direitos, “a proteção contra a publicidade enganosa e abusiva, métodos comerciais coercitivos ou desleais, bem como contra práticas e cláusulas abusivas ou impostas no fornecimento de produtos e serviços”.

Sobre o tema, também o artigo 39, inciso IV, do codex, define como prática abusiva “prevalecer-se da fraqueza ou ignorância do consumidor, tendo em vista sua idade, saúde, conhecimento ou condição social, para impingir-lhe seus produtos ou serviços”.

Portanto, resta cristalino que a realização de reiteradas e abusivas ligações de telemarketing por operadora de telefonia ao consumidor, com a oferta insistente de produtos e serviços, em horários diversos e, inclusive, não comerciais, domingos e feriados, sem o expresso consentimento deste, se configura como conduta ilegal que atenta contra o Sistema de Proteção ao Consumidor e materializa a prática abusiva.

Na sociedade atual o tempo representa um ativo de grande valor que, mesmo não podendo ser economicamente valorado, tem sido levado em conta, inclusive em âmbito judicial, onde foi reconhecida a possibilidade de configuração do dano moral em razão da teoria do desvio produtivo, caracterizada na perda do tempo útil para resolver problemas gerados por maus fornecedores.

Insta asseverar neste ponto, que quando se fala em reiteradas ligações para oferta de um produto ou serviço, sem a anuência do consumidor, e muitas vezes quando este, inclusive, já manifestou o seu expresso descontentamento e solicitou a cessação dos telefonemas, tem-se, no mínimo, um eminente desvio produtivo por perda do seu tempo útil.

E é justamente neste campo que o consumidor deve ser protegido contra a perturbação do seu sossego, o que pode, até mesmo, se caracterizar como crime contra as relações de consumo, na medida em que o CDC, em seu artigo 71, preconiza que o consumidor não pode ter interferências em seu trabalho, descanso ou lazer.

Ao fornecedor, é plenamente lícito ofertar seus produtos e serviços, desde que nos limites impostos pela Constituição Federal, que também assegura a todos o direito fundamental de inviolabilidade da intimidade, vida privada, honra, imagem, dentre outros direitos de personalidade, como o sossego (art. 5º, inciso X).

Importante também assinalar que a Lei Geral de Proteção de Dados assegura que o trabalho de dados pessoais só poderá ser realizado mediante o fornecimento de CONSENTIMENTO pelo titular:

Art. 7º  O tratamento de dados pessoais somente poderá ser realizado nas  seguintes hipóteses:

I - mediante o fornecimento de consentimento pelo titular;

No mesmo sentido, o Marco Civil da Internet, em seu artigo 7º, prevê como direitos e garantias dos usuários a proteção da intimidade e personalidade, e a proibição do uso e tratamento de dados pessoais sem o consentimento livre, expresso e informado dos cidadãos.

Resta evidente, assim, a ilegalidade da conduta das operadoras de telemarketing que realizam as suas ligações para ofertar produtos e serviços a consumidores, sem que estes tenham autorizado os contatos, muito menos fornecido os seus dados.

Em Mato Grosso, está em vigor a Lei Estadual nº 11.692, de 25 de março de 2022, que proíbe a oferta de crédito consignado aos aposentados e pensionistas, por meio de telemarketing, sem a solicitação prévia e expressa dos beneficiários.

O Plenário do Supremo Tribunal Federal, ao julgar a ADI nº 6.539, proposta pela Associação Nacional dos Profissionais e Empresas Promotoras de Crédito e Correspondentes no País (ANEPS), entendeu pela constitucionalidade da Lei Estadual nº 20.276/2020 do Paraná, que legisla no mesmo sentido.

Nesse ponto, há que se atentar para a ainda mais gravosa conduta das empresas, ao praticarem as condutas abusivas em face de consumidores idosos, considerados hipervulneráveis, e, portanto, necessitados de maior proteção por parte do Estado.

Deste modo, deve o fornecedor ofertar seus produtos e serviços com equilíbrio, de forma regular, observando os limites da boa-fé objetiva, sem atentar contra os direitos de personalidade fundamentais dos consumidores.

E, neste aspecto, é fundamental ressaltar que não se afasta a importância dos serviços de telemarketing, que visam a estabelecer um canal direto de comunicação entre cliente e empresa. Todavia, com o avanço da tecnologia, surgem também os problemas que, neste caso, têm afetado o sossego e a tranquilidade do consumidor, devendo ser estabelecido limites para se evitar o abuso da utilização deste serviço que, no mínimo, deve ser consentido por toda e qualquer pessoa física ou jurídica que adquira ou utilize produto ou serviço como destinatário final.

2.2. Da responsabilidade pelos fornecedores de produtos e serviços

A CF/88 considera a proteção do consumidor como direito fundamental e princípio balizador das atividades econômicas (art. 5º, XXXII, e 170, CF/88). Dessa maneira, considerando a vulnerabilidade do consumidor, o Código de Defesa do Consumidor (CDC) buscou preservar a dignidade dos consumidores, bem como garantir a proteção dos interesses econômicos, a  transparência e a harmonia nas relações de consumo.

Desse modo, o Código de Defesa do Consumidor estipulou os direitos básicos dos consumidores e os princípios norteadores das relações de consumo, como a vulnerabilidade, a boa-fé, a confiança e a transparência, com o escopo de assegurar a harmonização dos interesses das partes e equilíbrio no mercado de consumo (art. 4º, caput, I e III, CDC). Os princípios basilares do CDC servem para dar segurança aos contratantes e indicar os parâmetros para a interpretação de práticas abusivas.

O CDC proíbe que os fornecedores realizem práticas baseadas em abusos nas relações de consumos. A política de oferta de produtos e de serviços no mercado, a preocupação em relação à forma como serviços e produtos são dirigidos ao consumidor apresenta-se como indicativo sensível, indelével e revelador dos padrões éticos das relações de consumo, devendo os valores e princípios organizacionais das empresas estar em sintonia com os padrões mínimos exigidos pela norma consumerista e pela Constituição Federal da República.

No caso em tela, conforme amplamente demonstrado acima, a utilização  abusiva do serviço do telemarketing ativo tem, cada vez mais, se tornado um grande problema para os consumidores em Mato Grosso, que têm o seu direito ao sossego claramente afetado com as  reiteradas ligações indesejadas.

2.3. Das medidas cabíveis de irregularidades em uma relação de consumo

No âmbito da Administração Pública, cada órgão tem diferentes e específicas atribuições legais para garantir o direito dos cidadãos dentro de suas competências e especialidades.

Na fiscalização das infrações às relações de consumo, todos os integrantes do Sistema Nacional de Defesa do Consumidor têm competência concorrente no exercício do poder de polícia administrativo, cabendo à Secretaria Adjunta de Proteção e Defesa dos Direitos do Consumidor da Secretaria de Estado de Assistência Social e Cidadania - SETASC a defesa do consumidor em Mato Grosso, conforme Lei Complementar nº 612, de 28 de Janeiro de 2019 e alterações da Lei Complementar nº 635, de 14 de Outubro de 2019.

Ao disciplinar as formas de instauração de processo administrativo para apuração de irregularidades consumeristas pelos Procons, o Decreto Federal nº 2181/97, previu em seu art. 33, I, o ato de ofício de autoridade competentente como uma destas modalidades.

Em Mato Grosso, o art. 25, do Decreto Estadual nº 969, de 11 de Junho de 2021 (Regimento Interno da SETASC) trouxe como competência da Secretaria Adjunta de Proteção e Defesa dos Direitos do Consumidor a instauração no âmbito de sua atribuição, de processo administrativo por práticas infrativas às normas de proteção e defesa dos direitos do consumidor (inciso XXX) prevendo a possibilidade também do estabelecimento de medidas para coibir e reprimir de forma eficiente todos os abusos praticados no mercado de consumo, que possam causar prejuízos aos consumidores (inciso VII).

Para tanto, pode o Procon-MT iniciar investigações preliminares e instaurar processos administrativos, aplicando medidas cautelares para salvaguardar os direitos dos consumidores matogrossenses, nos termos dos arts. 55 a 60 e 106 do Código de Defesa do Consumido, das  disposições do Decreto 2.181/97 e do Decreto Estadual nº 969, de 11 de Junho de 2021 (Regimento Interno  da SETASC).

No mesmo sentido, como forma de garantir a ação efetiva do Estado em favor da sociedade, a Lei Estadual nº 7.692, de 1º de julho de 2022, que disciplina o processo administrativo em Mato Grosso, previu em seu art. 61, que em caso de risco iminente, a Administração Pública Estadual poderá motivadamente adotar providências acauteladoras sem a prévia manifestação do interessado.

Outrossim, no que concerne às atribuições legais específicas do Procon-MT  deve ser destacado, ainda, o respeito do exercício do Poder de Polícia entre a União, os Estados, os Municípios, e o Distrito Federal, o qual segue a distribuição constitucional das competências administrativas, com base no Princípio da Predominância do Interesse.

2.4. Da presença do requisito dos requisitos para a concessão da medida cautelar

O inciso VI do art. 56 do CDC, bem como o art. 18 do Decreto nº 2.181, de 20 de março de 1997, preconizam que, caso haja infrações às normas de defesa do consumidor, os fornecedores ficarão sujeitos a diversas sanções administrativas, sem prejuízo das de natureza civil, penal e das definidas em normas específicas, sendo-lhe imposta a suspensão de fornecimento de produtos, serviços ou atividades, a ser aplicada pela própria autoridade administrativa, inclusive através de medida cautelar, antecedente ou incidente no procedimento administrativo.

Código de Defesa do Consumidor

Art. 56. As infrações das normas de defesa do consumidor ficam sujeitas, conforme o caso, às seguintes sanções administrativas, sem prejuízo das de natureza civil, penal e das definidas em normas específicas:

(...)

VI - suspensão de fornecimento de produtos ou serviço; VII - suspensão temporária de atividade;

(...)

Parágrafo único. As sanções previstas neste artigo serão aplicadas pela autoridade administrativa, no âmbito de sua atribuição, podendo ser aplicadas cumulativamente, inclusive por medida cautelar, antecedente ou incidente de procedimento administrativo.

Decreto n.º 2.181, de 1997

Art. 18. A inobservância das normas contidas na Lei nº 8.078, de 1990, e das demais normas de defesa do consumidor constituirá prática infrativa e sujeitará o fornecedor às seguintes penalidades, que poderão ser aplicadas isolada ou cumulativamente, inclusive de forma cautelar, antecedente ou incidente no processo administrativo, sem prejuízo das de natureza cível, penal e das definidas em normas específicas:

(...)

VI - suspensão de fornecimento de produtos ou serviços; VII - suspensão temporária de atividade;

(...)

§ 1º Responderá pela prática infrativa, sujeitando-se às sanções administrativas previstas neste Decreto, quem por ação ou omissão lhe der causa, concorrer para sua prática ou dela se beneficiar.

§ 2º As penalidades previstas neste artigo serão aplicadas pelos órgãos oficiais integrantes do SNDC, sem prejuízo das atribuições do órgão normativo ou regulador da atividade, na forma da legislação vigente.

§ 3º As penalidades previstas nos incisos III a XI deste artigo sujeitam-se a posterior confirmação pelo órgão normativo ou regulador da atividade, nos limites de sua competência.

Para a concessão de provimentos de urgência, à semelhança do que ocorre no presente caso, é necessária a presença dos requisitos do fumus boni iuris e do periculum in mora.

Desse modo, denota-se a presença do fumus boni iuris diante das reclamações em massa aqui comprovadas de consumidores que são diariamente lesados, em razão das incessantes e incansáveis ligações indesejadas, provenientes dos serviços de telemarketing para oferta de produtos ou serviços sem a sua prévia autorização.

Diante disso, resta constatada a forma inadequada e inapropriada de uma patente violação que, ao menos em análise inicial, afronta os princípios básicos do direito do consumidor, conforme devidamente demonstrado acima.

Quanto ao periculum in mora, a urgência da situação decorre da quantidade de reclamações registradas dos serviços de telemarketing, que continuam a operar de maneira irrestrita, mesmo diante da imposição de medidas da agência reguladora, causando prejuízos diretos ao consumidor, diuturnamente importunado em seu sossego.

Assim, diante do exposto, torna-se imperiosa a aplicação de medida cautelar para determinar a suspensão dos serviços do telemarketing ativo abusivo em todo o território do Estado de Mato Grosso, consubstanciado naquele que visa o contato com o cliente para oferta de produtos ou serviços sem o prévio consentimento do consumidor, que somente poderá ser abordado por telefone se expressamente tiver manifestado interesse neste sentido.

De resto, não há que se falar em risco de irreversibilidade da medida, tendo em vista que essa decisão não antecipa o mérito e pode ser revista a qualquer tempo, caso o acervo probatório indique conclusão diferente desta ora adotada.

3. Conclusão

Diante do exposto, com fulcro no art. 56 do CDC, art. 18 do Decreto nº 2.181, de 20 de março de 1997, art. 61 da Lei Estadual nº 7.692, de 1º de julho de 2022 e art. 25, VII do Decreto Estadual nº 969, de 11 de Junho de 2021, e ante a necessidade imperiosa da implementação de medidas voltadas à proteção dos consumidores em face dos serviços de telemarketing para oferta de produtos ou serviços, sem a prévia autorização por parte destes, decreto medida cautelar em face das empresas TELEPERFORMANCE CRM S.A.; KONECTA BRAZIL OUTSOURCING LTDA, CONCENTRIX BRASIL TERCEIRIZACAO DE PROCESSOS, SERVICOS ADMINISTRATIVOS E TECNOLOGIA EMPRESARIAL LTDA; TIM S.A.; TELEFÔNICA BRASIL S/A; CLARO S.A.; SKY BRASIL SERVIÇOS LTDA; CREFISA SA CREDITO FINANCIAMENTO E INVESTIMENTOS; BANCO C6 CONSIGNADO S.A.; ITAU UNIBANCO S.A.; BV FINANCEIRA SA CREDITO FINANCIAMENTO E INVESTIMENTO; BANCO MERCANTIL DO BRASIL SA; BANCO DO BRASIL SA; BANCO DAYCOVAL S.A.; BANCO PAN S.A.; CAIXA ECONOMICA FEDERAL; BANCO BMG S.A; BANCO BRADESCO S.A.; BANCO CETELEM S.A.; BANCO SAFRA S. A.; e BANCO SANTANDER (BRASIL) S.A. (CNPJ: 90.400.888/0001-42)  para determinar a suspensão dos serviços do telemarketing ativo abusivo em todo o território do Estado de Mato Grosso, consubstanciado naquele que visa o contato com o cliente para oferta de produtos ou serviços sem o prévio consentimento do consumidor, que somente poderá ser abordado por telefone se expressamente tiver manifestado interesse neste sentido, sob pena de multa diária de R$ 1.000,00 (mil reais) pelo descumprimento, excluídas as demais formas de abordagem via telemarketing, tais como os serviços de telemarketing receptivo/passivo, bem como aqueles que versem sobre cobranças ou doações.

Determino ainda, o encamimhamento de cópia do presente procedimento aos Procons Municipais em Mato Grosso.

Publique-se a presente decisão no Diário Oficial do Estado.

Cuiabá, 18 de julho de 2022.

(original assinada)

Rosamaria Ferreira de Carvalho

Secretária de Estado de Assistência Social e Cidadania

(original assinada)

Edmundo Taques

Secretário Adjunto de Proteção e Defesa dos Direitos dos Consumidores

Procon Estadual de Mato Grosso