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PORTARIA N° 010/2024/GAB-SAJU/SESP

Estabelece diretrizes e normativas para o atendimento de adolescente LGBT (Lésbica, Gay, Bissexual, Travesti, Transexual e Transgênero) no âmbito do Sistema Socioeducativo do Estado de Mato Grosso.

A SECRETÁRIA ADJUNTA DE JUSTIÇA e o SUPERINTENDENTE DE ADMINISTRAÇÃO  SOCIOEDUCATIVA, no uso das atribuições que lhe confere a Lei Complementar Estadual n.º 612, de 28 de janeiro de 2019 e o Decreto n.º 610, de 06 de dezembro de 2023;

CONSIDERANDO o Decreto nº 1.483, de 15 de setembro de 2022 [DOE 16.09.2022], que dispõem sobre o Regimento Interno da Secretaria de Estado de Segurança Pública do Estado de Mato Grosso - SESP/MT em seu artigo 23 e 132;

CONSIDERANDO o Decreto 47.148, de 27/01/2017, que dispõe sobre a adoção e utilização do nome social por parte de pessoas travestis e transexuais, no âmbito da administração pública de Minas Gerais;

CONSIDERANDO os princípios de Yogyakarta, da qual o Brasil é signatário, estabelecem que a orientação sexual e a identidade gênero são essenciais para a dignidade e humanidade de cada pessoa e não devem ser motivo de discriminação ou abuso;

CONSIDERANDO a Nota Pública do Conselho Nacional dos Direitos das Crianças e dos/as Adolescentes - CONANDA, publicada em 14 de setembro de 2017;

CONSIDERANDO a Declaração dos Direitos da Criança e a Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança (CDC), de 1989, da qual o Brasil é membro signatário garantem o direito das crianças e adolescentes de não sofrerem discriminação por motivo de gênero;

CONSIDERANDO o disposto na Lei n.º 8.069/90 - Estatuto da Criança e do Adolescente, em especial, art. 17 e 18;

CONSIDERANDO a Lei Nº 12.594, de 18 de janeiro de 2012, que institui o Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (SINASE), em especial o artigo 35, incisos VI, VIII; e o artigo 49, inciso III e o Plano Nacional de Atendimento Socioeducativo: Diretrizes e Eixos Operativos para o Sinase;

CONSIDERANDO os princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana (art.1º, inciso III), da igualdade (art.5º. caput), da vedação de discriminações odiosas (art.3º, inciso IV), da liberdade (art.5º, caput), da privacidade (art.5º, inciso X) e da Saúde (art. 196), previstos da Constituição da República;

CONSIDERANDO o princípio constitucional da prioridade absoluta na promoção e defesa dos direitos humanos fundamentais de crianças, adolescentes e jovens, dentre os quais os direitos à dignidade, respeito e liberdade, bem como o direito de serem protegidos de toda forma de negligência, discriminação, exploração, crueldade, violência e opressão;

CONSIDERANDO o Decreto Federal nº 678, de 6 novembro 1992, que promulga a Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica), de 22 de novembro de 1969.

RESOLVE:

Art. 1º Estabelecer as diretrizes e normativas para o atendimento de adolescente LGBT (Lésbica, Gay, Bissexual, Travesti, Transexual e Transgênero) no âmbito do Sistema Socioeducativo do Estado de Mato Grosso.

Parágrafo único. A atenção à adolescente LGBT (lésbicas, gays, bissexuais, travestis, transexuais e transgêneros) na condição cautelar, em cumprimento de medida socioeducativa de restrição ou privação de liberdade no Sistema Socioeducativo de Mato Grosso, respeitará e garantirá o acesso a direitos, livre de preconceitos e discriminações, conforme legislação específica ou correspondente.

Art. 2º O direcionamento e normatização do tratamento dispensado a esse público levará em conta o seu interesse de acordo com a sua identidade de gênero, tendo por objetivo:

I. O respeito à diversidade sexual e a dignidade humana.

II. A humanização do cumprimento das medidas socioeducativas de meio fechado.

III. O acolhimento responsável da população LGBT dentro do Sistema Socioeducativo.

IV. A garantia plena dos direitos previstos em instrumentos legais à população LGBT, incluindo a integridade física e psicológica.

§ 1º Por ser um direito fundamental, a identificação do socioeducando travesti, da socioeducanda transexual e do socioeducando transexual será por autodeclaração no início do cumprimento da medida socioeducativa ou a qualquer momento da execução da medida, independentemente de autorização de pais ou responsáveis legais, a ser registrado no Plano Individual de Atendimento (PIA).

§ 2º Entende-se por pessoa travesti e mulher transexual a pessoa do sexo biológico masculino e identidade de gênero feminina e homem transexual a pessoa do sexo biológico feminino e identidade de gênero masculina.

Art. 3º Para efeitos desta Portaria, entende-se:

§ 1º “Orientação sexual” como uma referência à capacidade de cada pessoa de ter uma profunda atração emocional, afetiva ou sexual por indivíduos de gênero diferente, do mesmo gênero ou de mais de um gênero, assim como ter relações íntimas e sexuais com essas pessoas.

§ 2º “Identidade de gênero” como a experiência de uma pessoa com o seu próprio gênero (que pode ou não corresponder ao sexo designado no nascimento), incluindo o senso pessoal do corpo (que pode ou não envolver, por livre escolha, modificação da aparência ou função corporais por meios médicos, cirúrgicos ou outros) e outras expressões de gênero, inclusive, vestimenta, modo de falar e maneirismos.

§ 3º Cisgênero é a pessoa que se identifica com o seu "gênero de nascença".

§ 4º “LGBT” a população composta por lésbicas, gays, bissexuais, travestis, transexuais e transgêneros, considerando-se:

I. Lésbicas: denominação específica para mulheres que se relacionam afetiva e sexualmente com outras mulheres;

II. Gays: denominação específica para homens que se relacionam afetiva e sexualmente com outros homens;

III. Bissexuais: pessoas que se relacionam afetiva e sexualmente com ambos os sexos;

IV. Transexuais, Transgêneros, Travestis: este é um conceito relacionado à identidade de gênero e não à sexualidade, remetendo à pessoa que possui uma identidade de gênero diferente do sexo designado no nascimento. As pessoas transgênero podem ser homens ou mulheres, que procuram se adequar à identidade de gênero, e para se referir a elas, são usadas as expressões homem trans e mulher trans.

§5º Ficam contempladas outras manifestações de sexualidade e gênero que não tenham sido mencionadas no parágrafo anterior.

Art. 4º É proibida toda e qualquer forma de discriminação por parte de funcionário/a do Sistema Socioeducativo ou de particulares, fundada na orientação sexual ou na identidade de gênero do/a socioeducando/a LGBT, assegurando-lhe o respeito à sua liberdade de autodeterminação, podendo o/a funcionário/a responder administrativa, cível e criminalmente.

Art. 5º Ao/à socioeducando/a LGBT será facultado o uso de roupas íntimas e/ou vestimentas, assim como manutenção do corte de cabelo, em acordo com a identidade de gênero autodeclarada.

Art. 6º Nas atividades externas à unidade, como consultas médicas, audiências judiciais, cursos, entre outras, será assegurado à socioeducanda travesti, à socioeducanda transexual e ao socioeducando transexual o uso de vestimentas em acordo com sua identidade de gênero.

Parágrafo único. É vedado a todo e qualquer profissional que atua no sistema socioeducativo de Mato Grosso impor à socioeducando/a LGBT exposição corporal vexatória como condição para a realização de qualquer das atividades externas.

Art. 7º Ao/à socioeducando/a LGBT será garantido o uso do nome social em todo o Sistema Socioeducativo de Mato Grossos, com a inclusão em todos os documentos relativos a eles/as, conforme Decreto Federal nº 8.727, de 28 de abril de 2016 e Portaria do MEC nº 1.612, de 18 de novembro de 2011, atentando para os dispositivos legais elencados na Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002, do Código Civil em vigor, respeitando os ditames acerca da capacidade civil dos/as adolescentes.

§ 1º Entende-se por nome social a identificação usada por pessoas transexuais e travestis e que são socialmente reconhecidas, independente do nome contido no Registro Geral de Nascimento oficial, que não reflete sua identidade de gênero.

§ 2º O conceito de identidade de gênero aqui empregado é baseado nos Princípios de Yogyakarta “experiência interna e individual do gênero de cada pessoa que pode, ou não, corresponder ao sexo atribuído no nascimento”.

§ 3º Os registros e ou documentos internos relativos ao/a socioeducando/a deverão conter o nome social, que deverá ser preenchido desde a sua entrada no sistema e em todos outros documentos, em atenção ao preconizado no caput acerca da capacidade civil dos/as adolescentes.

§ 4º A adoção do nome social poderá ser realizada a qualquer tempo por meio de manifestação do/a adolescente acautelado ou socioeducando/a LGBT em cumprimento de medida restritiva ou privativa de liberdade, a partir de solicitação formal por escrito ou verbalmente à equipe de atendimento socioeducativo.

§ 5º O chamamento à adolescente LGBT acautelado ou em cumprimento de medida socioeducativa no Centro de Atendimento Socioeducativo (CASE) e Casa de Semiliberdade (CASEMI) se dará pelo nome social a ser proferido pelos/as socioeducadores/as, durante todo o processo de cumprimento da medida.

Art. 8º O cumprimento de medida socioeducativa por adolescente LGBT em privação de liberdade não deverá ocorrer em espaços segregados, salvo em justificadas situações de risco de violências.

§ 1º As situações de risco de violência deverão ser justificadas junto à Superintendência de Administração Socioeducativa (SUASE), em relatório circunstanciado específico.

§ 2º O cumprimento da medida em espaço segregado será exceção, devendo cessar imediatamente quando sanado o risco de violência.

Art. 9º Adolescente travesti e transexual (aquela designada no nascimento com o sexo masculino, cuja identidade de gênero é feminina) com determinação para acautelamento provisório ou cumprimento de medida socioeducativa em meio fechado deverá ser encaminhada ao CASE em acordo à identidade de gênero autodeclarada - CASE Feminino.

Art. 10 A transferência compulsória entre alojamentos ou unidades ou qualquer sanção aplicada em razão da condição de socioeducando/a LGBT será considerada tratamento desumano e degradante, sem prejuízo da aplicação de sanções disciplinares previstas nas normas no caso de cometimento de indisciplina.

Art. 11 A revista de socioeducando/a transexual ou travesti deverá ocorrer individualmente em ambiente onde não se imponha exposição corporal vexatória, será realizado em ambiente reservado e que assegure a privacidade.

Parágrafo único. Caberá à gestão do CASE disponibilizar um agente de segurança socioeducativo masculino e um feminino, para realização da revista, com a anuência dos/as servidores/as, seguindo as normas de revista em vigor.

Art. 12 É vedado proceder à revista minuciosa na socioeducanda travesti e transexual e no socioeducando transexual em ambiente público que permita a exposição da nudez do/a mesmo/a diante dos/as demais socioeducandos/as, devendo-se proceder à referida diligência em ambiente reservado, que assegure a privacidade.

Art. 13 Ao/à socioeducando/a LGBT será garantido atenção integral especializada à saúde.

§ 1º A/o socioeducando/a que se autodeclarar travestis ou transexuais, ou aquela que se autodeclarar lésbica, gay ou bissexual, em nenhuma hipótese será submetida/o a quaisquer atendimentos médicos, psiquiátricos ou psicológicos com a finalidade ou intenção de realizar diagnóstico que resultem em patologização da identidade de gênero ou da orientação sexual.

§ 2º O/a socioeducando/a transexual e travesti com necessidades específicas relativas à identidade de gênero serão encaminhados/as a órgão público e/ou privado parceiro, reconhecidos como referência na atenção especializada à saúde, para acompanhamento e assistência qualificada.

§ 2º À socioeducando/a travesti ou transexual maior de 18 anos em cumprimento de medida socioeducativa de privação ou restrição de liberdade, será garantido o direito de acesso a tratamento hormonal e a acompanhamento de saúde específico, mediante prescrição médica, na medida das possibilidades do atendimento da rede de atenção básica do SUS, em conformidade com a Portaria Nº 2.803 de 19 de novembro de 2013 do Ministério da Saúde.

Art. 14 Fica garantida a visita do cônjuge, companheiro, pais ou responsáveis, parentes e amigos, dos filhos do/a adolescente, independentemente da idade.

Art. 15 Fica garantido o direito à livre manifestação da orientação sexual e da identidade de gênero às pessoas que visitam socioeducando/a privado/a ou restrito/a de liberdade, ou a qualquer pessoa que por qualquer razão adentrar em unidades socioeducativas de Mato Grosso.

Parágrafo único. Toda pessoa travesti, mulher transexual e homem transexual que adentrar em unidades socioeducativas no Estado de Mato Grosso terá respeitado o direito de serem tratados pelo seu nome social, de acordo com a sua identidade de gênero, bem como terá respeitada sua identidade de gênero para a realização das revistas pessoais necessárias.

Art. 16 A Superintendência de Administração Socioeducativa (SUASE), deverá acompanhar, monitorar e avaliar assuntos pertinentes à diversidade sexual e de gênero, bem como garantir a implementação de mecanismos que resguardem o acesso aos direitos e à integridade física e psíquica de socioeducando/a LGBT, sem que isso promova segregações e/ou violações.

Art. 17 As denúncias de socioeducando/a LGBT comunicadas aos membros do Conselho Socioeducador, serão documentadas no caso de relato de violência institucional, e informadas junto ao juizado, defensoria, promotoria e gestão do CASE ou CASEMI, conforme o ECA e o Protocolo Integrado de Atendimento à Crianças e Adolescentes Vítimas ou Testemunhas de Violência de Mato Grosso referente à Lei 13.431/2017.

Art. 18 As solicitações de natureza administrativas manifestadas pelo/a socioeducando/a LGBT para a equipe técnica ou para membros do Conselho Socioeducador, deverão ser encaminhadas para a gestão do CASE ou CASEMI para providências.

Art. 19 A Gestão Estadual do Sistema Socioeducativo em parceria com os membros da Gerência da Escola Estadual de Socioeducação, promoverão formação inicial e continuada aos/às profissionais dos CASEs e CASEMIs, considerando os princípios de igualdade e não discriminação na perspectiva dos direitos humanos, em relação à orientação sexual e identidade de gênero.

Art. 20 Fica determinada a adequação aos termos desta Portaria de todos os documentos que orientem a prática de servidores do Sistema Socioeducativo de Mato Grosso, tais como Regimento Interno, Metodologias de Atendimento, Procedimentos Operacionais Padrão, entre outros.

Art. 21 Os casos omissos serão resolvidos pela Superintendência de Administração Socioeducativa.

Art. 22 Esta Portaria entra em vigor na data de sua publicação, revogando-se atos normativos em contrário.

Cuiabá-MT, 07 de outubro de 2024.

LENICE SILVA DOS SANTOS BARBOSA

Secretária Adjunta de Justiça

IBERÊ FERREIRA DA SILVA JUNIOR

Superintendente de Administração Socioeducativa