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DECISÃO DE RECURSO

Concorrência Pública n. 002/2024

Processo nº 015/2024

Objeto:  Análise e Julgamento de Recurso da Concorrência Pública n. 002/2024.

I - Dos relatos

Trata-se de recurso quanto ao julgamento da proposta da empresa Recorrida, da Concorrência Pública n. 002/2024 (processo licitatório n. 015/2024), cujo objeto é a “contratação de empresa para realização da primeira etapa de readequação - antiga creche municipal Isabella Rodrigues Nogueira, localizada na Avenida Teodomiro Rodrigues de Souza com a Rua Nilza Maria Costa Ferreira, no Jardim Adriana”, tendo como desclassificada do certame por descumprimento de normas editalícias insanáveis

A Recorrente, GEAN ROGER PINCERATO ALONSO, inscrita no CNPJ nº. 37.024.663/0001-56, através de seu representante, em razões recursais, alega que a Comissão Permanente de Licitação, responsáveis pelo impulsionamento ao procedimento licitatório, agiu com exacerbado formalismo ao considerar que as assinaturas dos representantes legais da empresa estivessem desconformes ao edital.

Expôs os tipos de assinaturas eletrônicas existentes e que a assinatura em discussão, motivo da desclassificação da proposta, fora realizada através dos serviços Gov.br. Requereu, por fim, a reversão da desclassificação e o respectivo julgamento da proposta.

Em face de contrarrazões recursais, o responsável legal da empresa JRP ENGENHARIA LTDA, inscrita no CNPJ nº. 14.878.898/0001-00, exterioriza pela permanência da decisão da Comissão Permanente de Licitação, fundamentou sobre a vinculação do instrumento convocatório e sobre a alteração substancial dos documentos entregues pela licitante recorrente.

Ambos as razões recursais foram protocoladas tempestivamente.

É o relato.

II - Das fundamentações

II.I - Dos princípios e das normas fundamentais de licitações

A Constituição Federal de 1988, na Seção I do Capítulo VII do Título III, que trata da “Organização do Estado”, prescreve:

“Art. 37. A Administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:(...)

XXI - ressalvados os casos especificados na legislação, as obras, serviços, compras e alienações serão contratados mediante processo de licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes, com cláusula que estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as condições efetivas da proposta, nos termos da lei, o qual somente permitirá as exigências de qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações.

Ora, a Licitação é um procedimento administrativo, tornado obrigatório para a contratação de obras, serviços, compras e alienações do interesse de órgãos integrantes de qualquer dos Poderes da República. Portanto, deve se observar, necessariamente, os princípios que a Constituição indica. Deve ser realizada mediante processo aberto ao público em geral, assegurando-se aos interessados “igualdade de condições”, com vista a obtenção da condição mais vantajosa para a realização das obras, serviços, das compras e das alienações do interesse da Administração Pública, tudo segundo as regras definidas em lei.

Entretanto, o elenco do art. 37 da Constituição não é taxativo, o que significa que outros princípios podem ser indicados em normas infraconstitucionais, sempre que destinados a dar efetividade aos previsto no texto constitucional. Assim sempre ocorreu em todos os diplomas legais editados para disciplinar o procedimento licitatório.

Nesta senda, a Lei Federal nº. 14.133/2021, atual dispositivo legal regulamentador dos processos e procedimentos licitatórios, indica em seu artigo 5, o seguinte:

Art. 5º Na aplicação desta Lei, serão observados os princípios da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da publicidade, da eficiência, do interesse público, da probidade administrativa, da igualdade, do planejamento, da transparência, da eficácia, da segregação de funções, da motivação, da vinculação ao edital, do julgamento objetivo, da segurança jurídica, da razoabilidade, da competitividade, da proporcionalidade, da celeridade, da economicidade e do desenvolvimento nacional sustentável, assim como as disposições do Decreto-Lei nº 4.657, de 4 de setembro de 1942 (Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro).

Como se sabe, os princípios são comandos abstratos que se prestam a dar suporte ou embasamento às prescrições legais. Pode-se, também, dizer que os princípios são espécie de normas que não precisam estar inscritas no ordenamento positivo, mas que devem orientar a aplicação das regras desse ordenamento. E porque servem de lastro para a aplicação das normas expressas, os princípios devem ser aplicados mediante juízo de ponderação, o que significa dizer que, diferentemente das regras escritas, os princípios não são autoexcludentes: o de maior peso deve preponderar; ao passo que, no confronto entre regras, havendo colisão, uma deverá ser afastada, para que a outra prevaleça.

O princípio constitucional da isonomia (“Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza (...)” - art. 5; “igualdade de condições a todos os concorrentes” - art. 37, inciso XXI”) fora mencionado na Lei Federal nº. 14.133/2021 pela expressão igualdade, o que não influi na substância conceitual. O que importa dizer é que igualdade (ou isonomia) significa a impossibilidade de se estabelecer tratamento diferenciado injustificável entre os interessados na contratação.

Esse é o sentido da expressão do inciso XXI do art. 37 da Constituição Federal, ao determinar que o processo da licitação deve assegurar “igualdade de condições a todos os concorrentes”, o que significa dizer que não se pode estabelecer condição de participação, ou de execução do objeto, que não possa ser atendida por todos os potenciais interessados.

Reproduzindo o que se continha na Lei 8.666 (art. 3º), a nova Lei de Licitações destaca a importância do princípio da isonomia, ao estabelecer que o agente público designado para atuar na área de licitações e contratos não poderá “admitir, prever, incluir ou tolerar, nos atos que praticar, situações que: a) comprometam, restrinjam ou frustrem o caráter competitivo do processo licitatório (...) (...) b) estabeleçam preferências ou distinções em razão da naturalidade, da sede ou do domicílio dos licitantes” ou “tratamento diferenciado de natureza comercial, legal, trabalhista, previdenciária ou qualquer outra entre empresas brasileiras e estrangeiras, inclusive no que se refere a moeda, modalidade e local de pagamento, mesmo quando envolvido financiamento de agência internacional” (art. 9º, incisos I, a e b, e II), fatores não presentes no certame, ou seja, não havendo a restrições aos licitantes para a referida contratação.

Outrossim, na impessoalidade dos atos administrativos, como regra, têm como destinatários todos os cidadãos, sem qualquer distinção. Pelo princípio da impessoalidade, em matéria de licitação, impede-se que o agente público estabeleça considerações de caráter exclusivista em relação aos concorrentes, seu estado ou situação, em quebra do princípio maior da isonomia. Não se admite que a licitação seja feita para favorecer tal ou qual pessoa, mas deve ter em vista o atendimento do interesse público. A vantagem da proposta deve ser aferida segundo dados objetivos, independentemente da pessoa do proponente. Por isso que a explicitação, no ato convocatório, dos fatores de avaliação e do modo (critério) objetivo e impessoal como serão analisadas as propostas confere aos licitantes segurança quanto à objetividade do julgamento.

Adicional princípio basilar da licitação é o da legalidade, que impõe a vinculação do procedimento às prescrições legais e regulamentares específicas e às estabelecidas no respectivo ato convocatório. Chamado por Hely Lopes Meirelles de “princípio do procedimento formal”, o princípio da legalidade impede que a Administração estabeleça “regras” para o certame em desacordo com as prescrições da lei, não violando a competitividade do certamente, ou que, de alguma forma, restrinjam ou inviabilizem a competição.

O princípio da moralidade, intrinsecamente associado ao da probidade, impõe que o procedimento licitatório esteja ajustado aos bons costumes e às regras de ética que devem nortear toda conduta individual e, com maior razão, a atividade dos agentes administrativos. Ainda quando inexistente norma legal específica, não se justifica nem se admite conduta ofensiva à ética e à moral.

A publicidade é um dos princípios estabelecidos pela Constituição como norteadores de toda a ação administrativa. Pelo princípio da publicidade impõe-se que todos os atos praticados pelos agentes administrativos sejam do pleno conhecimento da coletividade. Entretanto, a circunstância de serem publicados não confere, por si só, legitimidade aos atos administrativos, mas é requisito de sua eficácia. Significa dizer que, mesmo tendo sido tornados públicos, atos falhos ou irregulares não se convalidam, enquanto os atos legítimos somente adquirem eficácia após publicados.

Se assim é em relação aos atos em geral da Administração Pública, não poderia a licitação ficar excluída desse princípio. Estreitamente vinculado ao outro princípio constitucional da isonomia, a publicidade significa que nada, na licitação, pode ser escondido da coletividade. Não pode haver licitação secreta ou sigilosa. É da essência do instituto o amplo conhecimento de seus atos. Apenas em relação ao conteúdo das propostas a publicidade não incide, mas somente até o momento de sua abertura. Em tudo o mais, o procedimento é aberto e passível do acompanhamento e do controle do público em geral. Todo cidadão tem interesse e é parte legítima para acompanhar o processo e obter informações sobre as propostas.

A nova Lei de Licitações desdobra o princípio da publicidade, com a criação do princípio da transparência, como se fossem figuras de igual natureza ou sinônimas. A transparência - que também deve nortear as ações administrativas - significa que todos os atos e decisões dos agentes públicos devem ser disponibilizados ao público em geral, com os dados, as informações e os elementos indispensáveis à aferição da sua legitimidade, correção e legalidade. Mas a publicidade é mais que isso: constitui requisito da validade e eficácia dos atos administrativos. No que tange ao procedimento licitatório, significa a impossibilidade de atos sigilosos ou secretos. Publicidade e transparência não são sinônimas, e sim conceitos complementares.

Pelo princípio da vinculação ao edital, impõe-se que o certame se desenvolva na estrita observância das regras preestabelecidas, daí por que se costuma dizer que o edital é a lei interna da licitação. Uma vez definidas essas regras, não mais poderão ser alteradas, porque vinculam não apenas a Administração como os próprios licitantes.

O princípio do julgamento objetivo determina a impossibilidade de se definir a contratação à base de meras considerações subjetivas. O ato de convocação da licitação deve indicar, de forma clara e precisa, os fatores de avaliação e o critério que será adotado no julgamento das propostas. Pelo princípio do julgamento objetivo, afasta-se o arbítrio e veda-se a discricionariedade na escolha das propostas. Na mais simples licitação, a decisão da escolha deve estar respaldada em avaliação objetiva e fundamentada em razões que correspondam ao interesse público.

II.II - Dos documentos acostados nos autos

Consta no processo a Ata de abertura de Sessão Pública (p. 729/731) que “a proposta da empresa GEAN ROGER PINCERATO ALONSO LTDA foi desclassificada por não apresentar a validação das assinaturas digitais conforme item 5.2.”

Assim, o Edital de Concorrência Pública nº. 002/2024 determina ao tratar dos documentos com assinatura eletrônica (vide item 5), o seguinte:

5. DOS DOCUMENTOS COM ASSINATURA ELETRÔNICA

5.1. Considerando a atualização digital e as normativas vinculativas quanto as assinaturas eletrônicas, a saber Lei nº. 14.063/20, Decreto nº 10.543/20 e artigo 12 §2º da Lei 14.133/2021, será permitido neste processo licitatório documentos cuja identificação e assinatura digital realizado por pessoa física ou jurídica em meio eletrônico, mediante certificado digital emitido em âmbito da infraestrutura de Chaves Públicas Brasileiras (ICP-Brasil) e mediante plataforma gov.br.

5.2. Caberá ao fornecedor junto do documento assinado digitalmente entregar verificação de conformidade para análise da Comissão de Contratação, sob pena de DESCLASSIFICAÇÃO/INABILITAÇÃO. Podendo ser utilizado verificador do Governo Federal conforme a seguir (https://validar.iti.gov.br/) - orientações de uso será informada no site do órgão gerenciador.

5.2.1. O objetivo da verificação é aferir a conformidade das assinaturas eletrônicas emitidas no documento apresentado, com a correta autenticidade do assinador, para fins de garantir a identidade do assinante, logo, a sua falta acarreta a não autenticidade do documento.

Alega o recorrente que a houve excesso de formalismo por parte da Comissão de Contratação, o qual ensejou a desclassificação da proposta do licitante, vez que encaminhou todos os documentos assinados e validados digitalmente pelo gov.br e ainda manualmente.

De acordo com o item 9.1.1. do Edital, devera a proposta comercial do licitante estar assinada e datada pelo representante legal da empresa e pelo responsável técnico, sob pena de desclassificação da proposta conforme estabelecido no item 10.2 do respectivo acervo.

A proposta da empresa Recorrente constou de duas formas de assinaturas pelos indivíduos, manual e eletrônica. O representante legal da empresa assinou os documentos de maneira manual, enquanto que todas as assinaturas do responsável técnico foram eletrônicas. Contudo, o Licitante não apresentou os termos de validação da assinatura do responsável técnico da proposta.

Não há no edital exigência de qual forma/chave deveria ser realizada a assinatura, podendo ser em qualquer instrumento, desde que reconhecido pelo ICP-Brasil, podendo ser feita pelo gov.br. Igualmente não há qualquer exigência quanto ao tipo de assinatura, seja ela simples, avançada ou qualificada, pois, a exigência contida no edital é que mediante a utilização de assinatura digital seja apresentada juntamente a validação das respectivas assinaturas. O que não fora feito pela empresa Recorrente.

Assim, alega em sua defesa que a Administração considerou demasiadamente formalista e por tal deveria rever a sua decisão. Contudo, não há de se falar em formalismo exacerbado, vez que não há subjetividade quanto a análise documento, bem com não há qualquer interpretação dos termos do edital que malferem a própria finalidade do procedimento licitatório.

Não há de se falar por excesso de formalismo tendo que o julgamento não fora subjetivo, não houve margens alheias as interpretações distorcidas que poderiam comprometer a competitividade do certame. O julgamento ocorreu de forma objetiva, vez que o Edital do certame ditava que a ausência do referido documento compromete a validade jurídica do mesmo e por tal seria desclassificado ou inabilitado a empresa.

Nesta senda, não há de se falar em realização de diligências nos termos do art. 64 da Lei Federal nº. 14.133/2021, in verbis:

Art. 64. Após a entrega dos documentos para habilitação, não será permitida a substituição ou a apresentação de novos documentos, salvo em sede de diligência, para:

I - complementação de informações acerca dos documentos já apresentados pelos licitantes e desde que necessária para apurar fatos existentes à época da abertura do certame;

II - atualização de documentos cuja validade tenha expirado após a data de recebimento das propostas.

§ 1º Na análise dos documentos de habilitação, a comissão de licitação poderá sanar erros ou falhas que não alterem a substância dos documentos e sua validade jurídica, mediante despacho fundamentado registrado e acessível a todos, atribuindo-lhes eficácia para fins de habilitação e classificação.

§ 2º Quando a fase de habilitação anteceder a de julgamento e já tiver sido encerrada, não caberá exclusão de licitante por motivo relacionado à habilitação, salvo em razão de fatos supervenientes ou só conhecidos após o julgamento.

Conforme dispositivo legal, a realização de diligências deve ser realizada razoavelmente para sanar erros ou falhas que não alterem a substância dos documentos e sua validade jurídica, bem como não se permite a apresentação de novos documentos, salvo exceções que não compreendem o concreto caso. Pois em sede de diligências, as informações devem ser complementadas, e não inovadas. Em outros termos, a diligência deve ser utilizada para esclarecer dúvidas, imprecisões ou insuficiência de informações pertinentes ao documento já apresentado pela licitante.

Por claro, a realização da desclassificação da proposta da empresa Recorrente se deu pela não apresentação da documentação de validação da assinatura eletrônica, assim posto, pela vinculação do instrumento convocatório, não deve a Comissão de Contratação decidir de forma diversa.

III - Da Decisão

Diante do exposto, considerando os princípios constitucionais e legais mencionados, as disposições expressas na Lei 14.133/2021 acerca da realização de diligências e as composições editalícias, decide a Comissão de Contratação em:

a)     Manter a DESCLASSIFICAÇÃO da proposta da empresa GEAN ROGER PINCERATO ALONSO, em descumprimento do item 5.1, em conformidade com os itens editalícios 5.2, 5.2.1, 9.1.1 e 10.2.

b)     Encaminhar para autoridade superior esta decisão, juntamente com as razões e contrarrazões recursais, para análise.

Pontes e Lacerda-MT, 09 de maio de 2024.

Regina Santos Souza

Comissão de Contratação

Kenedy Cruz Leite

Assessor Jurídico