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MENSAGEM Nº      68,      DE   29   DE        AGOSTO        DE 2018.

Senhor Presidente da Assembleia Legislativa,

No exercício das competências contidas nos arts. 42, § 1º, e 66, inciso IV, da Constituição do Estado, comunico a Vossa Excelência que decidi vetar parcialmente o Projeto de Lei nº 134/2017, que “Dispõe sobre a obrigatoriedade de assinatura de Termo Anticorrupção nas hipóteses estabelecidas e dá outras providências”, aprovado por esse Poder Legislativo na Sessão Ordinária do dia 07 de agosto de 2018.

Eis os dispositivos a serem vetados:

Art. 2º  (...)

§ 1º Em caso de inobservância da regra estabelecida no caput deste artigo, os repasses de valores públicos estaduais em benefício das empresas envolvidas em procedimentos investigativos de corrupção cessarão de imediato, caso comprovado que os administradores destas sabiam das irregularidades, só podendo ser retomados em caso de isenção de responsabilidade declarada pelo Poder Judiciário.

§ 2º Comprovada a participação da pessoa jurídica de direito privado em atos de corrupção em desfavor do Erário Estadual, será decretado o vencimento antecipado da obrigação contratual assumida pela empresa, estando esta sujeita ao pagamento de multa proporcional ao dano causado.

Instado a se manifestar, a Procuradoria-Geral do Estado opinou pelo veto parcial ao projeto de lei nos seguintes termos:

“(...) a corrupção impede o crescimento econômico, causa o desvio de recursos públicos destinados à saúde, educação e infraestrutura, corrói valores democráticos, ameaça a estabilidade e a segurança, facilitando atividades criminosas dentro e fora das fronteiras dos Estados (como tráfico de pessoas, de armas e drogas), reduz a boa-governança, favorece práticas anticompetitivas e promove insegurança nas transações internacionais.

Apesar da louvável percepção do governo quanto a necessidade de se incluir em todos os contratos e instrumentos congêneres cláusula de conteúdo análoga à propositura, conforme informado pela SEGES e GTCC (vide Decreto nº 572/2016 e Decreto nº 840/2017), entende-se possível, em razão da relevância do tema, conferir tratamento jurídico por meio de lei formal, de forma a garantir estabilidade e segurança jurídica acerca da matéria.

Todavia, embora a proposta legislativa esteja munida de elevados propósitos, tem-se que parcela de seus dispositivos padecem de vício de inconstitucionalidade formal, na medida que invade a competência legislativa da união para deflagrar processo legislativo que verse sobre normas gerais de contratos administrativos (arts. 22, XXVII, da CF/88). (...)

Impende ressaltar que a abrangência das normas gerais sobre licitação e contratação administrativa compreende os princípios e as regras necessárias para assegurar um regime jurídico uniforme para as licitações e as contratações administrativas em todas as órbitas federativas.

Conquanto seja tortuoso identificar quando um dispositivo encerra norma geral ou específica, pois se trata de um conceito jurídico indeterminado que acarreta dificuldades interpretativas, é possível afirmar que os §§ 1º e 2º do art. 2º da proposta legislativa, que versam sobre hipótese de cessação de repasses, rescisão de contrato administrativo e multa, traduzem normas gerais de contratos administrativos, e como tal, a competência para legislar a seu respeito recai privativamente sobre a União, nos termos do que apregoa o art. 22, XXVII da Constituição da República.

Nesse sentido, é a orientação do  Supremo Tribunal Federal (ADI 1.746/SP) (...)

O caso dos autos, conforme anunciado, não se destoa do caso julgado pelo Pretório Excelso. Isso porque o § 1º do art. 2º propõe a cessação de repasses de verbas devidas nas situações em que as “empresas envolvidas em procedimentos investigativos” deixarem de comunicar a ocorrência de problema ou indício de irregularidade e “se comprovado que os administradores destas sabiam das irregularidades, só “podendo ser retomados em caso de isenção de responsabilidade declarada pelo Poder Judiciário”, já o 2º impõe o vencimento antecipado da obrigação contratual assumida pela empresa e define a sujeição de multa proporcional ao dano causado, na hipótese de estar “comprovada a participação da pessoa jurídica de direito privado em atos de corrupção em desfavor do Erário Estadual”, em ambos os casos, em consonância com o entendimento do Pretório Excelso supramencionado, visível que tratam-se de dispositivos que veiculam norma geral atinente à aplicação de sanção administrativa e hipótese de rescisão de contrato.

Nesta perspectiva, entende-se que o projeto de lei em análise excursiona sobre normas gerais, caracterizando notória usurpação da competência da União para legislar sobre a presente demanda (art. 22, XXVII, da CF/88), que requer o tratamento uniforme em todo o País, o que também faz ensejar afronta ao pacto federativo (art. 1º e 18 da CF/88).

Vale o registro de que no caso da matéria sobre a qual versam os §§ 1º e 2º do art. 2º do projeto - interrupção de repasses públicos, rescisão antecipada de contrato administrativo e multa -, além da Lei Federal nº 8.666/1993 dar efetivo tratamento ao tema, a Lei Federal nº 12.846/2013 (Lei Anticorrupção) também traz, em seu bojo, regras específicas que disciplinam as sanções que serão aplicadas pela Administração Pública às pessoas jurídicas consideradas responsáveis por atos lesivos contra a administração pública (arts. 6º e 7º), regras sobre o processo administrativo de responsabilização (arts. 8º a 15) e relativos à responsabilização judicial (arts. 18 a 21).

Dessa forma, in casu, não se vislumbra qualquer particularidade ou peculiaridade local que justifique o tratamento da temática no âmbito do Estado de Mato Grosso de maneira diferente da legislação federal, que, ao seu turno, trata de maneira exaustiva a temática.

Por outro lado, ainda que se entendesse que a competência para tratar a matéria estaria também reservada aos Estados, não se pode olvidar que os § 1º e 2º do art. 2º do projeto de lei não se revestem da necessária clareza para sua aplicação.

Essa afirmativa encontra espeque no fato do § 1º do art. 2º não definir assertivamente quais os elementos de prova serão considerados nem o instrumento e o momento em que se dará a ruptura do repasse de verbas, além de não dispor sobre qual mecanismo judicial será utilizado para revolvê-lo. Há apenas o indicativo de que basta se tratar de “empresas envolvidas em procedimentos investigativos de corrupção”, “caso comprovado que os administradores destas sabiam das irregularidades, só podendo ser retomados em caso de isenção de responsabilidade declarada pelo Poder Judiciário”.

De igual modo, o § 2º do art. 2º da proposta legislativa ao indicar o vencimento antecipado do contrato e aplicação de multa para a empresa condenada por ato de corrupção, considerando a independência das instâncias administrativa e judicial, também deixa de estabelecer qual provimento que daria ensejo a tal sanção (se judicial ou administrativo), em qual instância se dará essa condenação para fins de aplicação e em qual nível federativo.

Vale trazer à tona outro ponto crítico do § 1º do art. 2º, que se apoia para fins de aplicação desta sanção apenas em “procedimento investigativo de corrupção” - que tem natureza jurídica de procedimento pré-processual, precário, sem contraditório e informativo -, causando insegurança jurídica e possível violação de direitos fundamentais (v.g., devido processo legal, ampla defesa, contraditório e presunção de inocência - art. 5º, LIV, LV e LVII, da CF/88). (...)

Essas, Senhor Presidente, são as razões que me levaram a vetar parcialmente o Projeto de Lei nº 134/2017, as quais ora submeto à apreciação dos membros dessa Casa de Leis.

Palácio Paiaguás, em Cuiabá,  29  de   agosto   de 2018.